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RECIFE - PE - BRASIL - PARA MEU BROTHER TUTA...

’Stamos em pleno mar

Era um sonho dantesco... o tombadilho,

Que das luzernas avermelha o brilho,

Em sangue a se banhar.

Tinir de ferros... estalar do açoite...

Legiões de homens negros como a noite,

Horrendos a dançar...

 

Negras mulheres, suspendendo às tetas

Magras crianças, cujas bocas pretas

Rega o sangue das mães:

Outras, moças... mas nuas, espantadas,

No turbilhão de espectros arrastadas,

Em ânsia e mágoa vãs.

 

E ri-se a orquestra, irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais...

Se o velho arqueja... se no chão resvala,

Ouvem-se gritos... o chicote estala.

E voam mais e mais...

Presa dos elos de uma só cadeia,

A multidão faminta cambaleia

E chora e dança ali!

 

Um de raiva delira, outro enlouquece...

Outro, que de martírios embrutece,

Cantando, geme e ri!

 

No entanto o capitão manda a manobra

E após, fitando o céu que se desdobra

Tão puro sobre o mar,

 

Diz do fumo entre os densos nevoeiros:

"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!

Fazei-os mais dançar!..."

 

E ri-se a orquestra irônica, estridente...

E da ronda fantástica a serpente

Faz doudas espirais!

Qual num sonho dantesco as sombras voam...

Gritos, ais, maldições, preces ressoam!

E ri-se Satanaz!...

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus...

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?...

Astros! noite! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!...

 

Quem são estes desgraçados

Que não encontram em vós

Mais que o rir calmo da turba

Que excita a fúria do algoz?

Quem são?... Se a estrela se cala,

Se a vaga à pressa resvala

Como um cúmplice fugaz,

Perante a noite confusa...

Dize-o tu, severa musa,

Musa libérrima, audaz!

 

São os filhos do deserto

Onde a terra esposa a luz.

Onde voa em campo aberto

A tribo dos homens nus...

 

São os guerreiros ousados,

Que com os tigres mosqueados

Combatem na solidão...

Homens simples, fortes, bravos...

Hoje míseros escravos

Sem ar, sem luz, sem razão...

 

São mulheres desgraçadas

Como Agar o foi também,

Que sedentas, alquebradas,

De longe... bem longe vêm...

Trazendo com tíbios passos

Filhos e algemas nos braços,

N'alma lágrimas e fel.

Como Agar sofrendo tanto

Que nem o leite do pranto

Têm que dar para Ismael...

 

Lá nas areias infindas,

Das palmeiras no país,

Nasceram crianças lindas,

Viveram moças gentis...

Passa um dia a caravana

Quando a virgem na cabana

Cisma das noites nos véus...

...Adeus! ó choça do monte!...

...Adeus! palmeiras da fonte!...

...Adeus! amores... adeus!...

 

Senhor Deus dos desgraçados!

Dizei-me vós, Senhor Deus!

Se eu deliro... ou se é verdade

 

Tanto horror perante os céus...

Ó mar, por que não apagas

Co'a esponja de tuas vagas

De teu manto este borrão?

Astros! noite! tempestades!

Rolai das imensidades!

Varrei os mares, tufão!...

 

E existe um povo que a bandeira empresta

P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...

E deixa-a transformar-se nessa festa

Em manto impuro de bacante fria!...

Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,

Que impudente na gávea tripudia?!...

Silêncio!... Musa! chora, chora tanto

Que o pavilhão se lave no seu pranto...

 

Auriverde pendão de minha terra,

Que a brisa do Brasil beija e balança,

Estandarte que a luz do sol encerra,

E as promessas divinas da esperança...

Tu, que da liberdade após a guerra,

Foste hasteado dos heróis na lança,

Antes te houvessem roto na batalha,

Que servires a um povo de mortalha!...

 

Fatalidade atroz que a mente esmaga!

Extingue nesta hora o brigue imundo

O trilho que Colombo abriu na vaga,

Como um íris no pélago profundo!...

...Mas é infâmia demais...

Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...

Andrada! arranca este pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta de teus mares!

 

 

 

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Uploaded on September 6, 2007