diarionaredacao
Ed Wanderley, editor
“Eu era um guri quando aprendi a verificar sistematicamente os jornais pela manhã. Quadrinhos e palavras-cruzadas, claro! Não tinha mais que sete anos quando fui presenteado com uma edição em capa dura do suplemento britânico "Conhecer por dentro", trazida ao Brasil pela Folha de São Paulo e reproduzida em Pernambuco pelo Jornal do Commercio. Era um encarte com folhas gigantes que, desdobradas, mostravam castelos, metrôs, ônibus espaciais e outras invenções de grande porte em várias camadas, com explicações ponto a ponto da serventia de cada pedaço das engenhocas. Com o presente, meu pai, sem saber, fez uma escolha por mim. A semente da curiosidade não passaria despercebida.
Foi quase uma década depois que associei um nome àquele material: infográfico. Essa facilitação de informações, com recursos gráficos, que "traduzem" as reportagens para o leitor e que viriam a ser uma estranha rotina alguns anos depois de ingressar no Diario - estranho pensar que foi uma promoção do "concorrente" que me trouxe a esta redação. Quis contar histórias porque me desafiei a sobreviver dos ganhos de minha escrita, uma vez que contar histórias, mais que dom ou habilidade proposta, se fez uma quase sina. Acredito que nos sete anos de carreira, cinco e meio deles dedicados ao Diario, encontrei personagens que "mudaram minha vida" uma vez ao ano. Em meus primeiros meses, um deles sequer falou comigo. Era um tamanduá bebê, na quarentena do Parque Dois Irmãos, que me permitiram colocar no braço. Pequeno, subia da barriga ao meu ombro, garras certeiras - uma sensação que nunca esqueci. Noutro ano, entrevistei um ex-morador de rua descoberto pintor e conhecedor de música clássica no leito de morte num hospital. A Seu David, foi oferecida uma ópera com seu nome. Para agradecer, levantou-se da cadeira de rodas com os braços finos, quase somente ossos, meio de pé, lágrimas nos olhos. Perguntei o motivo de tanto esforço quando não poderia. "É para um momento desse que se vive. A pessoa tem que viver de corpo todo". No ano seguinte, um casal que vivia nas ruas, levando malas consigo, contou a história de peregrinação diária pelo Recife, com seus perigos diários. A matéria tocou um coração o bastante para oferecê-los um sítio em Vitória de Santo Antão. Depois de uma semana na tentativa de reencontrá-los, rejeitaram. "Vitória é longe. A casa é onde a gente se sente à vontade de ser livre e fazer tudo", resmungou Napoleão, imperador do próprio destino. Há poucas semanas, Altamira, uma menina de 13 anos que apresenta tecido acrobático em um circo itinerante nos interiores do Nordeste tentava explicar a própria rotina: "Nossa vida é melhor que a de vocês na cidade. A gente conhece o mundo", disparou, sem um pingo de maldade.
A bem da verdade, Seu David, Altamira e Napoleão me deram tapas necessários. Sem força, apenas palavras que empurram nossa consciência, vez por outra, a um nível de maturidade necessário. Te faz repensar e tentar nunca resumir-se ao próprio umbigo. Por incrível que pareça, os três têm tanto peso para mim quanto Tobby, nome carinhoso pelo qual lembro do tamanduá que nunca seria cachorro: é que, na hora das crises e angústias, profissionais ou existenciais, eles gritam à memória que há experiências que não me seriam possíveis num escritório - é quando o jornalismo não apenas me fez estar num lugar, mas ser o que eu não seria se a tal sina não se fizesse profissão.”
Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press
Ed Wanderley, editor
“Eu era um guri quando aprendi a verificar sistematicamente os jornais pela manhã. Quadrinhos e palavras-cruzadas, claro! Não tinha mais que sete anos quando fui presenteado com uma edição em capa dura do suplemento britânico "Conhecer por dentro", trazida ao Brasil pela Folha de São Paulo e reproduzida em Pernambuco pelo Jornal do Commercio. Era um encarte com folhas gigantes que, desdobradas, mostravam castelos, metrôs, ônibus espaciais e outras invenções de grande porte em várias camadas, com explicações ponto a ponto da serventia de cada pedaço das engenhocas. Com o presente, meu pai, sem saber, fez uma escolha por mim. A semente da curiosidade não passaria despercebida.
Foi quase uma década depois que associei um nome àquele material: infográfico. Essa facilitação de informações, com recursos gráficos, que "traduzem" as reportagens para o leitor e que viriam a ser uma estranha rotina alguns anos depois de ingressar no Diario - estranho pensar que foi uma promoção do "concorrente" que me trouxe a esta redação. Quis contar histórias porque me desafiei a sobreviver dos ganhos de minha escrita, uma vez que contar histórias, mais que dom ou habilidade proposta, se fez uma quase sina. Acredito que nos sete anos de carreira, cinco e meio deles dedicados ao Diario, encontrei personagens que "mudaram minha vida" uma vez ao ano. Em meus primeiros meses, um deles sequer falou comigo. Era um tamanduá bebê, na quarentena do Parque Dois Irmãos, que me permitiram colocar no braço. Pequeno, subia da barriga ao meu ombro, garras certeiras - uma sensação que nunca esqueci. Noutro ano, entrevistei um ex-morador de rua descoberto pintor e conhecedor de música clássica no leito de morte num hospital. A Seu David, foi oferecida uma ópera com seu nome. Para agradecer, levantou-se da cadeira de rodas com os braços finos, quase somente ossos, meio de pé, lágrimas nos olhos. Perguntei o motivo de tanto esforço quando não poderia. "É para um momento desse que se vive. A pessoa tem que viver de corpo todo". No ano seguinte, um casal que vivia nas ruas, levando malas consigo, contou a história de peregrinação diária pelo Recife, com seus perigos diários. A matéria tocou um coração o bastante para oferecê-los um sítio em Vitória de Santo Antão. Depois de uma semana na tentativa de reencontrá-los, rejeitaram. "Vitória é longe. A casa é onde a gente se sente à vontade de ser livre e fazer tudo", resmungou Napoleão, imperador do próprio destino. Há poucas semanas, Altamira, uma menina de 13 anos que apresenta tecido acrobático em um circo itinerante nos interiores do Nordeste tentava explicar a própria rotina: "Nossa vida é melhor que a de vocês na cidade. A gente conhece o mundo", disparou, sem um pingo de maldade.
A bem da verdade, Seu David, Altamira e Napoleão me deram tapas necessários. Sem força, apenas palavras que empurram nossa consciência, vez por outra, a um nível de maturidade necessário. Te faz repensar e tentar nunca resumir-se ao próprio umbigo. Por incrível que pareça, os três têm tanto peso para mim quanto Tobby, nome carinhoso pelo qual lembro do tamanduá que nunca seria cachorro: é que, na hora das crises e angústias, profissionais ou existenciais, eles gritam à memória que há experiências que não me seriam possíveis num escritório - é quando o jornalismo não apenas me fez estar num lugar, mas ser o que eu não seria se a tal sina não se fizesse profissão.”
Foto: Paulo Paiva/DP/D.A Press