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França – Carcassonne – Este foi dos primeiros Castelos a sofrer o embate da guerra santa declarada pelo Papa Inocêncio III aos Cátaros. A impressão que se tem dele é que alguma fada o terá feito nascer no cimo da colina com um toque de magia.

Este Castelo é o último a ser retratado nesta serie, uma serie dedicada em exclusivo a estes dinossauros da arquitetura militar, os sobreviventes de um tempo longínquo, a idade média. Apesar de distante, foi este mesmo Castelo que fez renascer em mim uma vontade de demanda, fez-me sentir uma necessidade de ir mais fundo na história destas pedras centenárias que tanto me fascinam e sempre quis compreender de uma maneira mais profunda, da busca do conhecimento que a maioria das vezes eu próprio tenho dificuldades em entender, apesar de me conhecer como alguém capaz de controlar as emoções de uma forma racional, esta vontade de procurar o conhecimento é algo que me escapa, a mim, e há minha compreensão. Por vezes sinto que este Castelo sempre fez parte da minha vida, no entanto só na minha meia-idade é que tive a oportunidade de o conhecer fisicamente, o que para mim, foi uma experiência extraordinária, tentei abarcar tudo que me foi possível, para de uma forma resumida o poder descrever aos que estiverem interessados na sua história, então cá vai…

 

O Castelo de Carcassonne visto desta margem do rio, parece surgido de um conto de fadas, mas na realidade, e depois de analisada a sua historia, verifica-se que estas muralhas escondem uma das mais terríveis memórias da Idade Media. Memórias essas que deram origem a variados romances históricos, uns com mais veracidade que outros. Se ainda não leu o romance (O Labirinto Perdido de Kate Mosse), deve fazê-lo pois é adorável e retrata fielmente um período da história destas muralhas como poucos, este livro está tão bem documentado que começa a aparecer nesta cidade como sendo o seu maior cartão-de-visita. Esta história passa-se na região conhecida como Midi-Pirineus.

 

Carcassonne é a mais bem preservada cidadela medieval de toda a Europa. Construída no alto de uma colina, no sul da França, perto de Toulouse e dos Pirenéus, foi no passado a principal fortaleza militar da região. Do alto das suas impressionantes muralhas, que eram protegidas por mais de 1200 guerreiros, podia-se controlar uma importante via comercial que ligava a Península Ibérica com o resto do continente. Por causa de sua posição fronteiriça e estratégica, Carcassonne foi palco das mais ferozes e terríveis batalhas desse tempo. A primeira visão do centro histórico, cuja construção foi iniciada há cerca de mil anos, é inesquecível.

 

A impressão que dá é que viajamos no tempo, para uma época de Reis, cavaleiros, princesas e batalhas medievais. A fortaleza é protegida por 52 torres e duas muralhas uma interna e outra externa. A entrada principal, baptizada de Porta Narbonnaise, é guardada por uma ponte levadiça. Nos áureos tempos medievais, cerca de 50 homens ficavam de guarda para impedir a entrada dos inimigos. Carcassonne, na verdade, são duas cidades. A Cidadela, que permaneceu intacta e protegida dentro das muralhas, e a Bastide Saint-Louis ou Cidade Baixa, que cresceu ao redor do centro medieval. À noite, esta cidade transforma-se. Com menos de 400 moradores e apenas dois hotéis, as suas ruas ficam desertas e silenciosas, a melhor altura para sentir o palpitar das muralhas, das ruas e também recuar 800 anos para sentir a vida de uma população que de uma forma melhor ou pior, viveu sem dúvida de uma maneira bem diferente da nossa. Uma das maiores atracões da cidade, é o Castelo Comtal, uma pérola da arquitectura medieval. Construído no século XII por um nobre chamado Bernard Trencavel que é mencionado no romance acima citado, esta foi, durante anos, a morada dos senhores feudais que mandavam na região. O castelo é formado por duas alas, com um pátio no meio delas. Durante uma visita guiada, é possível conhecer as suas torres e boa parte do seu interior mais reservado. O Museu Arqueológico, tem no seu acervo ânforas romanas, sarcófagos e lápides Cátaras. (Os Cátaros faziam parte de uma corrente do cristianismo que pregava a não-violência e foram muito perseguidos pela Inquisição e dizimados pelo Papa Inocêncio III, o rei da França e os barões do norte, mas o melhor será ler o livro acima citado.)

 

Para entender um pouco mais da história do lugar, vale a pena conhecer também o Museu da Inquisição, que expõe instrumentos de arrepiar. Esse triste período da história ocidental teve início no século XII e ganhou força quando o papa Inocêncio III autorizou o uso da tortura para obter a confissão dos heréticos. Verdadeiras atrocidades eram cometidas em nome da fé e, neste museu, podem ser vistos vários instrumentos como a cadeira de cravos, uma espécie de trono cheio de pregos onde o acusado era amarrado com cintos de ferro; e o berço de Judas, um triângulo de madeira com uma base de 30 centímetros e vértice de 60 usado para martirizar os hereges. Carcassonne é também um importante centro culinário. A cidade está cheia de bares, cafés e charmosos restaurantes, que lembram antigas tabernas medievais e tem o seu centro gastronómico no centro da praça. Escolha uma mesa ao ar livre e experimente um (cassoulet,) o mais famoso prato da região. Para acompanhar, saboreie um dos bons vinhos do lugar, como Corbieres, Minervois e Malepère. Uma refeição digna de Reis e rainhas medievais.

 

A primeira impressão que se tem em Carcassonne é a de um castelo encantado, que alguma fada terá feito nascer no cimo da colina com um toque da sua varinha mágica. Uma vez dentro das muralhas, descobre-se uma verdadeira relíquia da Idade Média, justamente procurada por milhões de turistas todos os anos. Hoje, Carcassonne é, depois da Torre Eiffel e do Monte Saint-Michel, os quais já tivemos o privilégio de visitar, o local mais visitado de França. As suas calçadas de pedra são percorridas, não por cavaleiros medievais, mas por turistas de todas as nacionalidades, armados de vídeos e máquinas fotográficas.

 

A basílica de Saint-Nazaire, construída nessa altura, atrai visitantes de todos os credos para o seu recinto escuro, que convida ao recolhimento, iluminada por magníficos vitrais. O encontro do românico com o gótico dá-se aqui de uma forma harmoniosa, justificando o nome de: ( jóia da fortaleza,) com que os folhetos turísticos a distinguem. O seu órgão é um dos mais importantes e antigos do sul de França, e de Junho a Setembro há concertos diários – Les Estivales d'Orgue - que enchem a cidadela de sonoridades quentes e arcaicas. Pelas suas praças, onde ainda resistem alguns poços de pedra que abasteciam de água a população, distribuem-se agora esplanadas muito concorridas, com espectáculos diários de música ao vivo, bem distinta da dos trovadores Ramon de Miraval ou Peire Vidal, que aqui viveram durante algum tempo. Raymond-Roger Trencavel, visconde de Albi e último senhor da fortaleza, certamente não reconheceria a sua cidade. É certo que qualquer loja de souvenirs vende conjuntos de capacete e espada, e mesmo armaduras completas. Também é fácil encontrar relógios de sol e saquinhos de pano com ervas cheirosas, das que perfumavam as roupas das damas da época. Mas a animação é sempre pacífica, e a magnífica iluminação nocturna não dá paz aos fantasmas, impedindo o seu devaneio nocturno e doloroso quais almas penadas; durante os meses de Verão, Carcassonne é uma cidade profusamente habitada e muito viva. Para reconstituir ainda melhor o ambiente medieval, em Agosto organizam-se torneios de cavalaria e falcoaria, com participantes vestidos a rigor, como no tempo dos cruzados. As velhas pedras da cidade não devem apreciar particularmente a lembrança, uma vez que foram estes que, em 1209, ditaram o seu fim: o visconde de Trencavel teve a ousadia de oferecer abrigo e protecção aos Cátaros, dissidentes de um catolicismo que se afundava na decadência moral. O seu pecado era defenderem a pureza dos costumes cristãos e não respeitarem a hierarquia eclesiástica.

 

Carcassonne foi das primeiras cidades a sofrer o embate da guerra santa declarada pelo Papa Inocêncio III. Cercada, perdeu o acesso crucial ao rio Aude e, numa manobra pouco “cavaleiresca”, o visconde de Trencavel foi feito prisioneiro ao sair do castelo para negociar. A partir daí, começou o declínio. Simão de Montfort, o comandante da cruzada, administrou a cidade até à sua morte, mas o seu filho foi incapaz de manter o território conquistado, e entregou-o à autoridade directa do rei. Quando o filho do visconde de Trencavel tentou reaver as terras do pai, Luís VIII deu ordens para arrasar a fortaleza e exilar os seus habitantes; só sete anos mais tarde conseguiram obter autorização real para se instalarem de novo na zona, mas do outro lado do rio. O turismo anuncia Carcassonne como( lá ville aux deux cités, a cidade das duas cidadelas ) a antiga fortaleza, no cimo da colina, e o novo burgo que nasceu no século XIII, aos pés da primeira, na margem esquerda do rio Aude. Desde sempre as duas zonas tiveram existências distintas, com toda a actividade comercial e social a desenrolar-se em baixo, enquanto a cidade-alta abrigava uma guarnição de mais de mil soldados. A tendência manteve-se até hoje. Só cerca de cento e vinte, dos seus quarenta e cinco mil habitantes permanentes, habitam a cidade antiga. Mas apesar da actividade evidente nas suas ruas e praças arborizadas, que substituíram as muralhas e estão agora semeadas de cafezinhos acolhedores, a atracção será sempre a “cité”,marco milenar da história da região do Languedoc.

 

Para além das comodidades e serviços turísticos de que dispõe, a Bastide Saint-Louis, como é conhecida a cidade-baixa, serve apenas para compor a magnífica vista que nos oferecem as torres altas da fortaleza - e do cimo desta sentinela de pedra, não se consegue evitar a sensação de fragilidade que vem do casario baixo e pálido da Bastide. Nada é regular ou simétrico nesta obra-prima da arquitectura militar, o que se explica pela longa história de reconstruções, modificações e acrescentos, que já dura há séculos e ainda não acabou. Mesmo depois da expulsão dos seus habitantes, a fortaleza foi modificada e aperfeiçoada, de modo a tornar-se um eficaz posto militar avançado. Ao mesmo tempo que se reforçou o sistema defensivo com a construção de uma segunda muralha exterior, também a austera Catedral de Saint-Nazaire foi aumentada e melhorada. O castelo do conde foi rodeado por um fosso, transformando-se numa fortaleza dentro da fortaleza. São cerca de três quilómetros de fortificações, por onde se distribuem cinquenta e duas torres para todos os gostos: há torres quadradas e redondas, de envergadura e tamanho diferentes; umas têm seteiras, outras janelas e algumas são, aparentemente, fechadas. Toda a cidade parece estar cheia de armadilhas: cotovelos estreitos para que só passe um inimigo de cada vez, degraus gigantescos, fossos dissimulados, enfim, todo o mostruário do engenho militar que foi sendo aperfeiçoado desde os romanos, destinado a guerras de cerco, tão comuns nos tempos medievais. Só a mudança das técnicas de guerra, nomeadamente a utilização generalizada da artilharia e a pólvora, nos séculos XV e XVI, a tornou definitivamente obsoleta.

 

Apesar de tudo, é impressionante o seu aspecto exterior de castelo, ao mesmo tempo irreal e inexpugnável. Contorná-la por entre as suas duas muralhas, espreitando pelas janelas e varandins para a paisagem verde de vinhas e campos cultivados, é um convite para uma viagem no tempo, que continua quando atravessamos a ponte levadiça. As ruas estreitas de pedra cinzenta, sombrias no Verão e protegidas dos ventos frios no Inverno, transformam-se num labirinto, e nunca sabemos se terminam nas muralhas, na basílica ou na praça principal. Pouco importa. Os passos ecoam de longe, e a cada esquina esperamos ver aparecer alguém vestido de cota de malha e elmo reluzente. As carroças que conduzem os turistas em visitas guiadas reforçam a esperança, com o ruído dos cascos e o soprar dos cavalos a ressoarem nas paredes de pedra. Para continuar o recuo no tempo, é possível visitar o castelo do visconde, que dá acesso exclusivo a certas partes da muralha. E para terminar a viagem, nada melhor que uma visita ao Museu Medieval e ao da Inquisição, que nos proporcionam pormenores nem sempre agradáveis da história da cidade. Outro museu ao gosto da época é o da Tortura, que exibe sádicos e requintados instrumentos, concebidos em noites de insónia, destinados a punir sabe-se lá que crimes medievais...

 

Dizem os seus apreciadores mais sinceros que a cidade não deve ser visitada no Verão: há demasiada agitação e pouca privacidade para percorrer a velha Carcassonne, e a viagem no tempo, que deve ser feita na solidão, é constantemente interrompida por grupos de turistas ruidosos.

 

(Nós já a visitamos varias vezes no Verão mas de certa forma não deixo de estar de acordo com tais afirmações pois parecem-me de facto credíveis, visitar esta cidade em época baixa deve ser bem diferente, se um dia tivermos possibilidades é isso que faremos.)

 

O destino de Carcassonne está traçado: será para sempre uma obra de arte inegável, e uma das maiores atracções turísticas do país e da Europa. A reconstrução fixou-a para sempre na Idade Média como quem tira uma fotografia, apesar de a cidade ter atravessado muitas outras épocas. E é, talvez, esta operação de congelamento temporal que lhe empresta toda a magia de cenário perfeito, que nos faz mergulhar profundamente num passado distante, belo mágico e por vezes também aterrador…

 

A Lenda da dama de Carcas

 

Não há castelo encantado que se preze que não tenha as suas lendas. Carcassonne justifica o seu nome com a história da dama de Carcas: quando Carlos Magno cercou a cidadela desta dama sarracena, achando-se desprovida de soldados, Carcas distribuiu pelas torres e muralhas bonecos feitos de palha, armados para combate. O estratagema resultou, e Carlos Magno levantou o cerco, desanimado com inimigo tão numeroso. Terá dito então a dama: “Sire, Carcas te sonne.” (“Senhor, Carcas vence-te”, em tradução livre). Daí o nome da cidade, que a lenda assegura ter-se tornado cristã, dando a dama origem à primeira linhagem de condes de Carcassonne. A verdade, porém, é que os romanos já tinham uma fortificação na zona a que chamavam Carcasso, e os sarracenos, que se sucederam aos visigodos e não ficaram por aqui muito tempo, chamavam-lhe Carchachouna. A cidade-fortaleza foi palco de combates, cercos, destruições maciças e, por fim, expulsão dos seus habitantes, que resultou na ruína do que ainda estava de pé. Lendária mesmo parece ser a sua reconstrução no século XIX, pelo arquiteto Viollet-le-Duc, o mesmo que restaurou os santuários de Notre-Dame de Paris e Sainte-Madeleine de Vézelay.

 

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Uploaded on March 15, 2013
Taken on August 16, 2010