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Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Enrico Ferri

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Enrico Ferri c.1897; foto publicada no periódico Popular Science Monthly

Nascimento 25 de fevereiro de 1856

San Benedetto Po, Mântua, Itália

Morte 12 de abril de 1929 (73 anos)

Roma, Itália

Nacionalidade Itália italiano

Ocupação jurista, político, jornalista, sociólogo

Influências

Lista

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Principais trabalhos Sociologia Criminal, A Escola Positiva de Criminologia, Socialismo e Criminalidade

 

Enrico Ferri (1856 – 1929) foi um criminologista e político socialista italiano. Juntamente com Cesare Lombroso e Raffaele Garofalo, é considerado um dos fundadores da Escola Italiana de Criminologia Positivista. Estes pesquisadores causaram uma ruptura epistemológica nas Ciências Jurídicas ao propor que estas também deveriam utilizar o método positivo experimental próprio das ciências naturais. Ferri abordou o direito e ordem jurídica como uma ciência social que deveria ser estudada pela observação da sociedade. Concluiu com suas pesquisas que o objetivo do sistema penal deveria ser a neutralização dos criminosos através da prevenção dos delitos1 . Foi autor de obras clássicas de criminologia como Sociologia Criminal de 1884 nas quais estudou os fatores econômicos e sociais que propiciavam o comportamento criminoso. Sua obra influenciou o código penal de diversos países europeus e latino-americanos. Foi também político filiado ao Partido Socialista Italiano e editor do jornal Avanti!, órgão oficial do partido1 . Embora tenha inicialmente rejeitado o fascismo, após a subida ao poder do ditador italiano Benito Mussolini, tornou-se um dos seus mais famosos apoiadores fora do Partido Facista.

 

Biografia

 

Nasceu em San Benedetto Po, perto de Mântua, Lombardia, em 25 fevereiro de 18561 2 . De origens modestas, era filho de Eraclio Ferri e da Colomba Amadei3 .

 

Frequentou o ensino médio no Liceo Classico Virgilio em Mântua, onde foi aluno do filósofo Roberto Ardigò3 , o maior expoente do positivismo italiano, que exerceu grande influência na sua formação1 .

Portici di Via Zamboni na Universidade de Bolonha

 

Estudou Direito na Universidade de Bolonha em um ambiente acadêmico onde predominavam as ideias positivistas3 . Formou-se em 1877, sendo orientado por Pietro Ellero na tese de láurea denominada A Teoria da Imputabilidade e a Negação do Livre-arbítrio (La Teorica dell'Imputabilità e la Negazione del Libero Arbitrio) publicada em 1878. Completou sua educação com um curso de especialização em direito penal na Universidade de Pisa no qual teve aulas com o famoso jurista da escola clássica de criminologia Francesco Carrara1 . Em 1879 foi complementar seus estudos na Universidade de Paris-Sorbonne3 . Teve aulas de medicina legal com Cesare Lombroso1 .

 

Após obter a livre docência na Universidade de Turim em 1880, Ferri foi indicado por Pietro Ellero para ocupar a cátedra de direito penal que deixara vaga na Universidade de Bolonha1 . A sua palestra inaugural feita em Bolonha em 6 de dezembro de 1880 (I Nuovi Orizzonti del Diritto e della Procedura Penale, publicado em 1881) expôs os fundamentos da criação da escola positiva de criminologia, os quais foram anunciados formalmente ao assumir uma outra cátedra na Universidade de Siena em 18 de novembro 18821 .

 

Em 1881 juntou-se à equipe editorial da revista fundada por Cesare Lombroso e outros denominada "Archivio di Psichiatria, Scienze Penali ed Antropologia Criminale per servire allo Studio dell’Uomo Alienato e Delinquente" (Arquivo de Psiquiatria, Ciências Penais e Antropologia Criminal para servir ao Estudo do Homem Alienado e Criminoso"1 ).

 

Por indicação de Filippo Serafini, foi convidado para ocupar a cátedra anteriormente ocupada por Francesco Carrara na Universidade de Pisa1 4 .

 

Foi livre docente de direito penal e depois de direito civil na Universidade de Roma “La Sapienza”, onde em 1912 fundou a Escola de Aplicação Jurídico-Criminal (Scuola di Applicazione Giuridico–Criminale). De 1895 a 1905, ministrou cursos na Universidade Livre de Bruxelas e Universidade de Paris-Sorbonne1 .

Igreja de Sant' Ivo no Palazzo della Sapienza, sede da Universidade de Roma “La Sapienza” até 1935

 

Atuou como advogado de defesa em vários processos famosos, tais como o de Tullio Murri (advogado socialista acusado de homicídio em 19055 ), o de Violet Gibson (que tentou matar Benito Mussolini6 ), até o seu último caso, o julgamento de Vincenzo Saponaro (padre acusado de parricídio em 1928)1 7 .

 

Foi através da reputação obtida como advogado de defesa que Ferri entrou na política. Os líderes da revolta de camponeses assalariados conhecida como La Boje foram levados a julgamento em Veneza em 1886. Contra todas as expectativas, Ferri conseguiu a absolvição dos camponeses de Mântua8 expondo a condição social dos réus como motivante do crime. Com isto angariou fama de socialista e prestígio político entre operários e camponeses1 3 .

 

Foi eleito deputado para o parlamento italiano em 1886 pelo distrito eleitoral de Gonzaga em Mântua3 como radical sem partido.

 

Em 1893, Ferri uniu-se ao recém-formado Partido Socialista Italiano1 2 . Assumiu em 1898 provisoriamente o cargo de editor do jornal Avanti!, órgão oficial do Partido Socialista Italiano, atuando com coragem em um momento de grande repressão política aos socialistas. Posteriormente foi editor definitivo do Avanti! de 1903 a 1908, aumentando a influência e circulação deste diário de notícias. Em 1908, seu prestígio político no Partido Socialista Italiano tinha diminuído, mas ainda tinha muito prestígio como jurista1 . Renunciou então ao cargo de editor do Avanti! e partiu para realizar uma série de conferências sobre criminologia e Direito na América Latina.

 

Ferri declarou-se a favor da guerra na Líbia em 1912, o que causou a sua renúncia ao mandato de deputado e desfiliação do Partido Socialista Italiano. Posteriormente voltou a ser eleito deputado como socialista independente. Defendeu de maneira dúbia a neutralidade italiana durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1919 foi reeleito deputado e, em 1921, filiou-se ao Partido Socialista Unitário2 .

 

Em 1919, o Ministro da Justiça Lodovico Mortara nomeou-o presidente da comissão para a reforma do Código Zanardelli, o código penal italiano de 1899, em vigor no Reino da Itália desde 18901 .

 

Em março de 1927, Ferri voltou às manchetes como defensor de Violet Gibson, inglesa de família nobre que tentou matar Benito Mussolini. O processo terminou com a absolvição da ré por razões de insanidade3 , embora o próprio Ferri considerasse que as suas tendências ao suicídio e criminalidade a tornassem perigosa o suficiente para ser privada de sua liberdade pessoal6 .

 

Com a ascensão do fascismo, passou a apoiar o regime de Benito Mussolini2 . Não se filiou ao Partido Nacional Fascista3 , mas redigiu obras em louvor do fascismo e de Benito Mussolini6 .

 

Seu prestígio perante os fascistas italianos era tanto que foi nomeado para o cargo honorário de senador6 em 2 de março de 1929. Entretanto morreu em Roma em 12 de abril de 1929 antes de tomar posse1 .

Pensamento Jurídico

 

Ferri, juntamente com Cesare Lombroso e Rafaele Garofalo, é considerado um dos fundadores das escola positivista de criminologia.

 

Os estudos de Ferri levaram-no a postular teorias de que os métodos de prevenção de crimes deveriam ser o pilar para o cumprimento da lei, em oposição à punição de criminosos após haverem cometido seus crimes.

 

Compartilhou com Lombroso a crença nas características fisiológicas de criminosos, contudo, concentrou-se no estudo das suas características psicológicas, as quais acreditava contribuírem para o desenvolvimento do crime em um indivíduo. Essas características incluíam gírias, grafia, símbolos secretos, literatura e arte, assim como a insensibilidade moral e "uma certa falta de repugnância à ideia de execução da ofensa, antes de cometê-la, e a falta de remorso após realizá-la"9 .

 

Ferri argumentou que religião, amor, honra e lealdade não contribuem para evitar o comportamento criminoso, pois são ideias muito complexas para terem um impacto definitivo no senso moral básico de uma pessoa. Ferri argumentou que outros sentimentos, tais com ódio, busca do amor e vaidade têm maior influência, pois têm maior poder sobre o senso de moral da pessoa[carece de fontes].

 

Ferri resumiu sua teoria definindo a psicologia dos criminosos como uma "resistência defeituosa às tendências e pecados criminais, devido a essa impulsividade mal controlada que caracteriza crianças e animais"9 .

 

Quanto às escolas de criminologia, Ferri se colocava entre Francesco Carrara, que foi "o ponto de chegada, embora altíssimo, de uma tradição agora esgotada"10 (a escola clássica de criminologia), e o avanço tecnicista de Arturo Rocco, segundo o qual "a tarefa principal (se não exclusiva) da ciência do direito penal deveria ser elaboração técnico-jurídica de um direito penal positivo e vigente, o conhecimento científico, e não meramente empírico, do sistema de direito penal como é em virtude das leis que nos governam"11 .

Formação do Pensamento Jurídico de Ferri

 

As aulas que teve ainda jovem no Liceo Classico Virgilio com o filósofo Roberto Ardigò foram uma grande influência para que aderisse desde a juventude à corrente de pensamento positivista1 . A outra grande influência inicial foram as aulas de Pietro Ellero no curso de Direito da Universidade de Bolonha. o qual defendia que a pena aplicada na condenação de criminosos tinha como o objetivo de prevenção de novos crimes, e não a expiação destes.

 

A tese de láurea de Ferri denominada La Teorica dell'Imputabilità e la Negazione del Libero Arbitrio (A teoria da Imputabilidade e a Negação do Livre-Arbítrio) já esboçava as linhas principais que orientariam seu pensamento posterior, começando com a negação do livre-arbítrio12 . A escola clássica de criminologia considerava que o ser humano tinha livre arbítrio, portanto que havia responsabilidade moral do indivíduo que escolhia conscientemente cometer - ou não - um delito. Ferri sustentou o contrário: o crime seria consequência de fenômenos antropológicos, físicos e culturais fora do controle do indivíduo, portanto o livre-arbítrio não poderia ser a base da imputabilidade penal, ou seja, da decisão de que a pessoa deveria ou não receber uma sanção legal, uma pena. Rejeitou assim o conceito de responsabilidade moral da escola clássica e criou o conceito de responsabilidade social9 13 .

 

Foi na Universidade de Paris-Sorbonne que Ferri teve contato com as mais novas doutrinas sobre o fundamentos teóricos da pena aplicada nos crimes, assim como com a utilização de métodos estatísticos na pesquisa sociológica.

 

Ferri foi aluno de Cesare Lombroso, fundador da criminologia antropológica, que se dedicou a pesquisar os fatores fisiológicos que caracterizavam um criminoso ainda antes deste cometer crimes2 . Ferri e Lombroso formaram uma parceria que nunca esmoreceu, embora Ferri tenha muitas vezes criticado as ideias de Lombroso. Ferri admirava especialmente a tentativa de Lombroso em fundamentar cientificamente um novo conceito de responsabilidade social do crime1 . Contudo, seguindo seu próprio caminho, Ferri não se interessou pelos fatores fisiológicos e concentrou-se no estudo que as influências sociais e econômicas tinham sobre os criminosos e sobre os índices de criminalidade. Ferri propunha o estudo científico, positivista, dos aspectos psicológicos e sociais dos criminosos em oposição ao positivismo biológico de Lombroso2 .

 

Foi na revista Archivio di Psichiatria, Scienze Penali ed Antropologia Criminale, criada e publicada por Lombroso, onde Ferri publicou os primeiros artigos que aprofundaram a sua negação do livre arbítrio, pedra fundamental da escola clássica de criminologia. As suas conclusões foram que o objetivo do direito penal deveria ser a prevenção dos delitos através de substitutos penais ou reformas de caráter social14 . O seu conceito de prevenção criminal foi influenciado pela leitura da obra do jurista e filósofo italiano Gian Domenico Romagnosi; a partir do qual proporá um "reformismo moderado e pragmático visando uma evolução sem saltos, traço característico do cânone eclético15 .

Difusão da Nova Escola Positiva

Enrico Ferri c. 1902

 

Ferri pretendeu fundar uma nova linha de pensamento dentro da tradição jurídica italiana considerando que chegara ao fim o "glorioso ciclo científico" da escola clássica. A nova linha de pensamento teórico deveria ser o estudo do delito como ente jurídico abstrato16 . Ferri propôs que esta nova escola deveria aplicar o método experimental no estudo dos delitos e das penas. O crime deveria ser estudado como um fenômeno natural e uma ação concreta. Isto levava a privilegiar a prática do direito e a formação de juízes, os quais devendo julgar um homem tinham pouco apoio nos conceitos então utilizados "sobre a qualidade jurídica da infração"17 .

 

Ferri apoiou a iniciativa de Giulio Fioretti de criar a revista La Scuola Positiva della Giurisprudenza Pernale para fins de propaganda do método positivista1 18 . Por algum tempo parou de publicar nesta revista a fim de revisar a terceira edição de sua obra seminal I nuovi orizzonti del diritto e della procedura penale, que tinha sido publicada em 1881, e que foi publicada após 1892 com o nome de Sociologia Criminale tornando-se um dos grandes clássicos da Criminologia e do Direito Penal1 .

 

A partir de 1895 tornou-se o único responsável pela edicção da revista La Scuola Positiva della Giurisprudenza Pernale, que foi utilizada para propaganda da utilização de métodos experimentais em matérias de direito penal1 .

 

Após a promulgação do Código Penal Zanardelli (código penal italiano de 1899), Ferri concentrou-se em divulgar os princípios positivistas entre os operadores do direito que podiam fazer a aplicação da teoria na prática1 . Além disso, subordinava as estratégias de sua vida política à propaganda do método positivista com o objetivo de realizar reformas que correspondessem a sua ideia de justiça social1 .

 

Em 1912, Ferri criou a Scuola di Applicazione Giuridico-criminale na Universidade de Roma “La Sapienza”, a fim de concretizar a ideia original dos positivistas da necessária "contaminação sócio-antropológica", bem como da necessidade de realizar reformas judiciais e prisionais19 .

 

A nova Escola Positivista deixou marcas importantes no Direito Penal. Primeiro, passou-se a considerar que o método experimental poderia ser aplicado no Direito causando o surgimento de uma nova ciência: a criminologia. Em segundo lugar passou a haver uma melhor individualização das penas e houve a criação de institutos jurídicos penais novos como as medidas de segurança, suspensão condicional da pena e o livramento condicional.

Princípios Básicos da Sociologia Criminal

 

O ponto inicial do pensamento de Ferri é a negação do livre-arbítrio. Segundo ele, o homem não é livre, as suas liberdades são restritas ao marco jurídico estabelecido pelo Estado. O sistema legal, segundo Ferri, poderia ser comparado a um conjunto de poliedros, cada um sendo um dos indivíduos que compõem o Estado, ou até a Humanidade. Assim como as células de favos de mel, que as abelhas constroem na forma de cilindros tornam-se prismas de base hexagonal devido à pressão mútua entre si, do mesmo modo os indivíduos que nascem livres podem ser comparados a esferas que se tornam poliedros devido às restrições recíprocas e necessárias para a vida comum na sociedade civil. O conceito de direito é uma liberdade “física” limitada, baseado, não no livre-arbítrio, mas na necessidade de relações externas individuais e sociais20 .

 

A sociologia criminal de Enrico Ferri não se concentra no estudo do do crime em si. O mais importante é estudar a relação que existe entre o autor do delito e a sociedade. A criminología é proposta como uma ciência positiva de observação e modificação da realidade. O crime, o infrator e a punição são reunidos no estudo e na prática9 .

 

O método indutivo experimental e a estatística foram os principais instrumentos propostos por Ferri para o estudo de criminologia. Deste modo, as suas teorias baseiam-se em fatos apreendidos da realidade concreta9 .

 

O crime ocorre como resultado de fatores sociais que determinam que os indivíduos ultrapassem os limites legalmente estabelecidos. Deste modo, Ferri coloca o crime como responsabilidade social, e não como a responsabilidade moral decorrente do livre arbítrio. Os infratores são infratores porque recebem da sociedade um conjunto de modos de agir que determina suas ações futuras ou porque, seguindo Lombroso, possuem uma anormalidade congênita. Portanto, o criminoso é resultado de uma anormalidade congênita ou adquirida por fatores sociais9 .

 

A classificação dos criminosos de Ferri9 é a seguinte:

 

Criminosos natos: aqueles que apresentam os estigmas de degeneração descoberto por Lombroso têm a moral atrofiada. A expressão "criminoso nato" certamente foi de autoria de Ferri e não de Lombroso;

Criminosos loucos: aqueles alienados nos manicômios ou prestes a irem para lá, também os semiloucos ou fronteiriços;

Criminosos ocasionais: aqueles que eventualmente cometem crimes, pois "o delito procura o indivíduo".

Criminosos habituais: aqueles reincidentes na ação criminosa a ponto de considerá-lo sua profissão. São a grande maioria dos criminosos. Na verdade, há uma degeneração do criminoso ocasional em habitual.

Criminosos passionais: aqueles que agem pelo ímpeto. Em geral cometem um crime na crime na mocidade. São próximoa do loucos pois dão dominados por tempestades psíquicas.

 

A Teoria dos Motivos proposta por Ferri considera que existem fatores que serão determinantes do delito9 21 . Estes fatores criminógenos podem ser agrupados em:

 

Fatores Antropológicos

Constituição Orgânica do Crime: Refere-se a características somáticas dos indivíduos: crânio, vísceras, cérebro.

Constituição Psíquica: Inteligencia, sentimento, senso moral.

Características Pessoais: Raça, idade, sexo, estado civil.

Fatores Sociais: Densidade de população, opinião pública, Moral, religião.

Fatores Físicos : Clima, solo, estações, temperatura.

 

A partir daí, Ferri elabora a sua Lei da Saturação: em um meio socialmente determinado com condições individuais e psíquicas dadas, comete-se um determinado número de delitos9 .

 

Outra consequência importante é a Teoria da Periculosidade: em uma determinada situação individual e por diferentes circunstâncias sociais, uma pessoa terá maior ou menor tendência a cometer crimes. A periculosidade não depende do ato criminoso cometido pelo sujeito, mas da sua qualidade de ser mais ou menos antissocial9 . A função da pena aplicada não seria mais, com queria a escola clássica, a expiação do crime, mas a Defesa Social através da prevenção de crimes.

 

Apesar de tudo, Ferri critica as instituições penais como incapazes de ressocializar os criminosos depois destes cumprirem as penas. Para ele, a ressocialização de alguém acostumado ao ar da prisão é impossível ou difícil, pois os indivíduos saem das prisões ainda mais ressentidos e cometem crimes maiores como vingança contra a sociedade. O mais importante é que crime deve ser combatido antes que aconteça, pois a prevenção geral é mais eficaz do que repressão. Com este objetivo o Estado deve aplicar Substitutivos Penais, medidas de carácter econômico, político, administrativo, educativo, familiar que atuem nas causas originadoras dos delitos diminuindo a sua incidência9 .

 

Entretanto os Substitutivos Penais não serão suficientes para conter os criminosos natos, loucos e passionais. A razão de punir é a defesa social, portanto para estes tipos de criminosos são necessárias Medidas de Segurança, formas de contê-los enquanto manifestem seu carácter perigoso para a sociedade9 . Se por um lado as Medidas de Segurança aumentavam as penas dos criminosos perigosos além do que a escola clássica considerava necessário para expiação da culpa, por outro lado a avaliação da periculosidade permitiu que condenados considerados pouco perigosos fossem libertados antes do término da pena por meio de mecanismos como, por exemplo, livramento condicional.

A Reforma do Código Zanardelli

 

A oportunidade de demonstrar a aplicação prática do positivismo jurídico no Direito Penal ocorreu em 1919, quando, o Ministro da Justiça Ludovico Mortara nomeou Ferri presidente da Comissão para a Reforma do Código Zanardelli3 , o código penal italiano em vigor desde 1890.

 

O Comitê para a Reforma do Código Zanardelli teve polêmicas raivosas que reproduziam os debates então existentes no ambiente acadêmico entre as diversas escolas de Direito Penal. O clima de combate também era parte do estilo de discussão da época. O enfrentamento principal ocorreu entre os defensores da escola clássica de criminologia com os que, como Ferri, propunham uma nova ciência do direito penal22 23 . Entretanto não se deve simplificar porque o quadro foi mais complexo do que a mera justaposição destas duas diferentes linhas de pensamento24 .

 

O resultado do trabalho foi o Progetto Preliminare di Codice Penale Italiano per i Delitti, publicado em Milão, 1921. Este projeto foi acompanhado de um relatório, ditado pelo próprio Ferri, que tratava da parte geral do código na qual os postulados da escola positiva foram todos vigorosamente afirmados. Nele foi afastado o critério da imputabilidade com a abolição da distinção entre imputáveis e não imputáveis, e a infração seria avaliada principalmente em função da periculosidade de seu autor. A substituição do conceito de pena como castigo moral pelo conceito da pena como prevenção individual do crime representava um endurecimento das medidas coercivas previstas no Código Zanardelli. A adequação da pena à periculosidade do infrator tendia em muitos casos à duração indefinida de detenção, pois não cessando o risco de recorrência, não havia um limite para a expiação do crime. Ainda de acordo com o princípio da periculosidade do sujeito, Ferri propunha a necessidade de igualar alguns crimes abolindo a distinção - que o código Zanardelli tinha introduzido - entre crimes consumados e crimes tentados. Os novos critérios de concurso de agentes na execução de crimes previam igual responsabilidade para todos partícipes e uma nova disciplina das circunstâncias avaliada de acordo com a periculosidade do agente3 .

 

Entretanto, segundo pelo menos um autor, a nova orientação positivista da qual Ferri era defensor mostrou "capacidade de interpretar os tempos [...] pela visão integrada das ciências criminais" e como a "atualização histórica da penalística civil italiana e europeia"25 26 .

 

As soluções do projeto resguardavam os fundamentos essenciais da ordem jurídica liberal-burguesa legal: a dimensão individualista, a centralidade da legislador, a exclusividade da fonte da legislativa, o papel da ciência jurídica e do juiz-intérprete da lei. Apesar disto, Ferri afirmava querer finalizar sua "vida científica demonstrando a aplicação jurídica de uma doutrina original e genuinamente italiana"27 .

 

Ferri também participou dos trabalhos da comissão nomeada pelo Ministro da Justiça Alfredo Rocco para examinar o projeto do Código Penal. Os postulados da escola positiva foram menos centrais nesta revisão de projeto do que na tentativa anterior de codificação. Houve uma influência considerável de Ferri na introdução do novo Título VIII do Livro I, Delle Misure Amministrative di Sicurezza. O princípio do valor sintomático do crime e da periculosidade do agente do crime foi aplicado na nova disciplina da tentativa, da responsabilidade subjetiva, do concurso de agentes e da existência de imputabilidade até no estado de embriaguez3 .

 

Mais do que os outros institutos previstos no projeto de código, a matéria das medidas de segurança foi utilizada para conciliar os princípios do positivismo jurídico e as acentuadas exigências repressivas do regime totalitário, especialmente por prever a indeterminação da duração máxima da pena. Os codificadores de 1930 conciliaram os conceitos de pena da escola clássica e da escola positivista: uma medida privativa de liberdade poderia ser aplicada após a execução da pena nos infratores habituais, profissionais ou por tendência, o que representava a união entre o conceito clássico da punição como expiação e o postulado positivista da pena como defesa e prevenção3 .

 

Os projetos de código penal italianos foram traduzidos em várias línguas e influenciaram a doutrina jurídica e a legislação em diversos países na Europa e na América Latina1 . A obra de Ferri em geral foi fundamental na elaboração do código penal de 1921 da Argentina[carece de fontes].

O Problema do Jurista-intérprete

 

Ferri não confiava no sistema de sanções fixas definidas por um juiz autômato e propunha uma série de medidas penais variáveis a serem aplicadas por juízes especializados em disciplinas criminológicas1 . Quando se dá ao juiz o ônus de avaliar a gravidade da infração em relação à personalidade do agressor para determinar a quantidade da pena a ser aplicada, misturam-se princípios que diferem do postulado central da escola positiva que é a gravidade objetiva do ato criminoso3 .

 

Considerando o perigo da discricionariedade dos juízes, Ferri concluiu que não era admissível que estes interpretassem a lei sem limites, pois as "regras de procedimento são a garantia suprema dos direitos do homem e do cidadão que [...], seja como um criminoso seja como um condenado, ainda conserva para sempre os intangíveis e fundamentais direitos da pessoa humana". Para Ferri, o juiz não pode exceder os limites da lei, mas dentro dos limites legais não será "possível impedir o juiz de ter uma determinada quantidade de poderes, porque senão ele seria reduzido a um contador mecânico da dosimetria da pena"27 .

 

Ferri ansiava por juízes capazes de avaliar social e legalmente a periculosidade do agente do crime, mas, para serem contidos os riscos de discricionariedade, os juízes deveriam se "comprometer com as irrevogáveis garantias de direitos individuais conquistados pela escola clássica de criminologia". Portanto, considerava muito importante a formação dos juristas, e foi com este objetivo que criou a Scuola d'Applicazione Giuridico-Criminale (Escola de Aplicação Jurídico-Criminal) e, em 1913, a sua revista La scuola positiva - organo della scuola d'applicazione giuridico-criminale na Universidade de Roma “La Sapienza”1 .

Trajetória e Pensamento Político

 

Como político, Ferri caracterizou-se por "reversões surpreendentes de posição, até cair no elogio do fascismo"28 .

Início da Vida Política

Cartaz do Partido Socialista Italiano em 1897

 

A fama nacional que adquiriu com a defesa dos líderes da revolta de camponeses La Boje foi decisiva para a entrada de Ferri na vida política ativa3 . No início de 1885, os trabalhadores camponeses das províncias de Rovigo, Pádua, Mântua, Cremona e Treviso se rebelaram contra os baixos salários. Em março de 1885, depois de meses de luta, o exército italiano conseguiu controlar a rebelião. Foram presas 160 pessoas, das quais 22, consideradas como líderes, foram levadas a julgamento sob a acusação de incitar uma guerra civil29 . O julgamento muito divulgado na imprensa ocorreu em Veneza de 19 de fevereiro até 27 de março de 18863 . Contra todas as expectativas de condenação, os defensores, entre os quais Ettore Sacchi e Enrico Ferri, conseguiram a absolvição29 . A sua magnífica defesa dos líderes camponeses fez com que Ferri passasse a ter a reputação de "socialista” e grande prestígio entre as associações políticas democráticas. Sua fama tornou-se nacional e os movimentos sindicais do norte da Itália colocavam seu nome, entre outros, na canção em dialeto vêneto "L'Italia l'è Malada".

 

L'Italia l'è malada (A Itália está doente)

 

E Ferri l'è il dutur (E Ferri é o doutor)

 

Per far guarì l'Italia (Para curar a Itália)

 

Tajem la testa ai sciur29 (Cortem a cabeça dos senhores)

Partido Radical

 

Devido ao seu grande prestígio, Ferri foi convidado - e aceitou – ser candidato a deputado do parlamento italiano concorrendo pela Sociedade Democrática Radical de Mântua com o apoio de um amplo espectro político. Entretanto, neste momento, sua adesão ao socialismo deve ser considerada muito frágil3 . Em seu discurso de nomeação de candidatura, Ferri apoiou o ideal de "harmonia entre todas as classes sociais", a fim de realizar a "verdadeira democracia, que é a fraternidade entre os homens"30 . Em seu primeiro discurso de campanha definiu-se como "sociólogo evolucionista", um "sociólogo, porque não só como cientista, mas acima de tudo como homem político estudo a sociedade, organismo natural que tem as suas próprias leis do desenvolvimento natural ... Evolucionista porque acredito que a lei da evolução natural domina as coisas na ordem científica assim como na ordem política"31 . Rejeitando o princípio socialista da luta de classes, Ferri dizia perseguir "o ideal de harmonia entre todas as classes da sociedade"31 . Os conceitos expressos neste discurso político estão presentes na sua obra Socialismo e Criminalità na qual procura demonstrar que há uma estreita ligação entre a esfera científica e a política3 .

 

Após a defesa dos líderes camponeses da revolta La Boje, Ferri "apontava o caminho da cooperação como uma evolução natural dos movimentos de resistência"32 . Em várias ocasiões apoiou e promoveu iniciativas da sociedade civil, especialmente na forma cooperação, para pacificação social, porque, dizia, "os trabalhadores são como as abelhas; pacíficas e fecundas de bem quando têm de trabalhar, inquieto e talvez até perigosas quando condenados a ociosidade forçada"33 . Ferri utilizava frequentemente metáforas de abelhas e colmeia para descrever os diferentes sujeitos de direito34 . Em 1891, fez parte da Subcomissão para a Cooperação presidida pelo Secretário do Tesouro Luigi Luzzatti1 .

 

Ferri conseguiu fazer com que os socialistas acreditassem que seu pensamento político não era incompatível com a ideologia socialista, apesar de que, segundo pelo menos um autor, deva ser considerado um político legalista democrata timidamente reformador e progressista"35 .

 

No Parlamento, Ferrri quis se juntar ao grupo de deputados radicais não hostis à propriedade privada e à monarquia - que ele sempre considerou como um um mal menor. Ressaltava a importância das questões sociais, mas pedia que as reformas que melhorassem as condições do povo fossem feitas em pequenas doses3 . Não encontrou um partido que realmente fosse compatível com suas crenças. Sonhava com um novo partido radical em que pudesse pôr em prática seu pensamento positivista. Sem submeter-se aos líderes de esquerda moderada, manteve-se isolado em uma posição equidistante dos extremos. O político que se autodefinia como "radical com reservas" mostrava uma "propensão às reviravoltas políticas que serão repetidas no curso de sua longa carreira política"36 .

 

Por outro lado, no Congresso Democrático que resultou no Pacto de Roma de 13 de maio de 1890, Ferri empenhou-se e conseguiu que o programa do Partido Radical enfatizasse o lado social. Ao mesmo tempo contribuía para a organização do movimento de camponeses e o cooperativismo em Mântua3 .

Socialismo Reformista

Cartão de filiação ao Partido Socialista Italiano em 1905

Cartão de filiação ao Partido Socialista Italiano em 1906

 

Em 1892, as organizações de operários de Mântua foram chamadas para aderir a um novo partido denominado Partido dos Trabalhadores Italianos (Partito dei Lavoratori Italiani, a partir de 1893 chamado Partito Socialista Italiano: PSI). Ferri posicionou-se contra a adesão por não concordar com o método da luta de classes, o que não impediu que associações de operários de Mântua aderissem ao novo partido socialista. Somente alguns meses depois Ferri anunciou sua adesão ao novo partido e a aceitação do coletivismo e da luta de classes, ressaltando, entretanto, a preferência pela "abordagem gradual" e a formação de alianças eleitorais com outras forças democráticas3 . Definiu-se então como um crente do evolucionismo de Darwin e um discípulo de Karl Marx, mas somente então começou a estudar as teorias marxistas. Entretanto propunha uma evolução que beneficiasse as gerações futuras em vez da solução rápida da questão social dos tempos em que vivia37 .

 

Devido a sua adesão ao socialismo, perdeu em 1894 a cátedra de professor da Universidade de Bolonha. Além de sua "adesão" ao socialismo, Ferri era considerado uma ameaça devido a sua "mensagem antiformalistica, antilegalistica e antiindividualistica"37 .

 

A sua escolha política foi fundamentada no ensaio Socialismo e Scienza Positiva no qual concluiu que o socialismo marxista era a conclusão prática na vida social da revolução científica moderna ooriginada com a aplicação do método experimental em todos os ramos do conhecimento humano, e das obras de Charles Darwin e Herbert Spencer38 . Ferri comparou o darwinismo e o socialismo e contestou os trabalhos de Ernst Haeckel que ressaltaram as diferenças básicas entre estas duas escolas de pensamento. Ao contrário de Ernst Haeckel, Ferri argumentava que o darwinismo com seus princípios científicos dava base ao socialismo38 . Ferri via religião e ciência como sendo inversamente proporcionais de modo que quando a força de um deles aumentava, a do outro caía. Ferri disse que o darwinismo deu um golpe na concepção de origem do Universo pregada pela Igreja, portanto o socialismo seria uma extensão do darwinismo e da teoria da evolução. Escreveu então que tudo na História marchava em direção ao socialismo, enquanto os indivíduos eram incapazes de deter ou retardar a sucessão de fases de evolução moral, política e social38 . Esta mistura de biologia darwiniana, da sociologia de Spencer e marxismo fez com que todos pensadores marxistas contemporâneos se recusassem a reconhecer Enrico Ferri como um deles39 .

 

Na verdade, Ferri recusava o instrumento da luta de classes, esperando uma evolução que não forçasse as estruturas políticas e sociais e o progresso gradual da humanidade40 . Além disso, subordinava as estratégias políticas à propaganda do método positivista a fim de realizar as reformas que correspondessem a sua ideia de justiça social1 .

 

No entanto Ferri foi capaz de se estabelecer rapidamente como um dos membros mais influentes do Partido Socialista Italiano. As razões para a sua popularidade foram o seu grande prestígio de pesquisador jurídico e advogado, a sua habilidade de falar em público e, sua beleza física e timbre de voz41 . Também deve ser lembrada a sua influência sobre muitos jovens estudantes das ciências jurídicas e antropológicas seguidores do positivismo, que proporcionaram novos recrutas qualificados para o socialismo italiano3 .

 

Com o aumento de seu prestígio dentro do Partido Socialista Italiano, Ferri passou de defensor do reformismo gradual para sustentador do grupo partidário denominado de intransigentes, que recusavam a aliança com partidos moderados. Quando uma onda de repressão assolou o socialismo italiano no final do século XIX, Ferri se destacará como um combativo protagonista de batalhas políticas, Em 1898, prenderam Leonida Bissolati, então diretor do jornal socialista Avanti! e Ferri assumiu temporariamente o seu cargo assegurando a regularidade da publicação em um momento particularmente difícil3 .

 

Em 1899, o governo do general Luigi Pelloux (Presidente do Conselho de Ministros do Reino da Itália de 1898-1900) apresentou ao Parlamento propostas de leis com medidas restritivas de "liberdades civis", o que causou a atuação conjunta dos deputados socialistas visando a obstrução de sua votação. A capacidade de oratória de Ferri ficou famosa. Seus discursos duravam de três a cinco horas sem deixar de tratar temas relevantes para a debate parlamentar. O governo teve que dissolver o Parlamento e convocar novas eleições3 . Ferri declarou-se aliviado por constatar que os excessos das leis e os tribunais de exceção, sob o pretexto de Defesa Social, tinham ocorrido sem a cumplicidade ou a influência das doutrinas positivistas42 .

 

Ferri possuía neste momento tanto prestígio eleitoral que o Partido Socialista Italiano teve a ideia de nomeá-lo candidato pelo seu distrito tradicional, Gonzaga em Mântua (onde tinha sido reeleito em 1895 e em 1897), mas também por distritos eleitorais em Ravena e Roma3 . Ferri acabou por ser eleito tanto por Gonzaga como por Ravenna, tendo ainda obtido muito mais votos do que o esperado em Roma3 .

Socialismo Revolucionário

Manifesto do Partido Socialista Italiano em 1902

Panfleto contra Ferri

 

Ferri passou a ser um dos líderes da facção dos "intransigentes", embora esta posição estivesse enfraquecida devido ao fato da vitória eleitoral do Partido Socialista Italiano ter sido alcançada por meio de alianças com partidos moderados. Em setembro de 1901, a facção intransigente conquistou a maioria na importante seção de Milão e obteve o controle do periódico semanal Azione Socialista. Em fevereiro de 1902, os intransigentes criaram em Roma o periódico quinzenal Il Socialismo que passou a ser dirigido por Ferri3 , e, em seguida, a revista socialista Avanguardia. Estes periódicos entraram em duras polêmicas contra a facções socialistas moderadas, enquanto Ferri, contrariando suas posições anteriores, batalhava dentro do seu grupo parlamentar contra as posições reformistas3 .

 

O Partido Socialista italiano dividiu-se em duas correntes, reformistas e revolucionários, cujo maior confronto ocorreu pela posse da linha editorial do jornal Avanti!, órgão oficial do partido. O socialista reformista [🇮🇹Leonida Bissolati|Leonida Bissolati]] renunciou ao cargo de diretor e em 1 de Abril 1903, Ferri foi nomeado em seu lugar. Reformou o diário oficial do partido socialista transformando-o em um folhetim combativo com temas contra a burguesia e a Igreja Católica e alguma tendência à demagogia. Algumas campanhas de grande repercussão conferiram ao Avanti! uma grande reputação e aumentaram a sua circulação. Este sucesso favoreceu a Ferri, que passou a ser considerado o maior expoente da corrente revolucionária, se não de todo partido, enquanto as posições reformistas gradualmente perdiam terreno3 .

 

Ferri pretendia uma divisão de trabalho entre as duas tendências internas do partido, atribuindo aos intransigentes revolucionários a missão de educar o proletariado politicamente e aos reformistas a tarefa de obter melhores condições para os trabalhadores3 .

 

A popularidade de Ferri e a eficácia dos seus métodos de luta política, no entanto, não se baseavam em fundamentos teóricos sólidos, nem deixavam vislumbrar uma estratégia coerente3 . O "esquerdismo ferriano" viria a ser "desprovido de conteúdo alternativo e incapaz de sua própria transformação"43 . O julgamento dos historiadores parece concordar sobre este ponto3 .

Retorno ao Socialismo Reformista

Símbolo do Partido Socialista Italiano em 1919

 

A aliança de Ferri com os revolucionários entrou logo em crise e dissolveu-se no decorrer de 1905. Ele então revelou sua tendência reformista e imprudência tática, convencendo o grupo parlamentar socialista a apoiar o governo com o propósito de julgá-lo a prova dos fatos44 .

 

Em 1906 Ferri criou a corrente chamada integralista, que se propunha a ser a síntese de todas as tendências dentro do Partido Socialista Italiano. Conseguiu prevalecer com o apoio dos reformistas, enquanto que os revolucionários foram para a oposição3 . Esta aliança com os reformistas não perdurou, e seu espaço tinha-se tornado restrito pois as muitas mudanças tinham afetado o seu prestígio. Em janeiro de 1908, renunciou ao cargo de diretor do Avanti! e embarcou para uma viagem para a América Latina, onde tinha sido convidado para dar uma série de palestras sobre criminologia e Direito. Quando voltou à Itália a sua influência no partido era pequena3 .

 

Em fevereiro de 1911, Ferri juntou-se à Democrazia Rurale, uma associação fundada em 1910 em Mântua com objetivo de compreender as necessidades da classe média agrícola, afastar a luta de classes e promover a cooperação entre todos os elementos da produção45 .

 

Por ter votado pelo consentimento da Guerra da Líbia com argumentos nacionalistas, Ferri foi reprovado pelo Partido Socialista Italiano. Apresentou sua renúncia ao cargo de deputado e à filiação partidária em 1912, mas conseguiu se reeleger pelo distrito eleitoral de Gonzaga como "socialista independente" obtendo 4.577 dos 4.883 votos colocados na urna. Obteve o apoio dos proprietários de terras e até mesmo de católicos, enquanto os socialistas optaram por se abster. Apoiou a formação do Partido Socialista Reformista Italiano, mas não quis fazer parte deste. Foi de novo reeleito na eleição seguinte, mas sem a esmagadora maioria da eleição anterior.

 

Nas vésperas da Primeira Guerra Mundial Ferri demostrava desinteresse na política ativa e seu prestígio em Mântua estava muito desgastado46 . Tomou uma posição não muito clara quanto à guerra: de um lado se dizia neutralista e por outro manifestava simpatia por França, Inglaterra e Bélgica e admiração pelos jovens que, como o seu filho, partiam como voluntários3 .

 

Após a guerra, Ferri deixou de ser um protagonista importante da vida política italiana e não foi candidato nas eleições de 1919. Com o início da violência fascista, refez a sua interpretação dos fenômenos sociais e políticos de acordo com os padrões da teoria da evolução3 . Escreveu então que era "utópico crer em acabar com o movimento socialista" aplicando "golpes de porretes ou tiros de revólver", mas que o proletariado teria que esperar o rumo dos acontecimentos com "a coragem da paciência" e que "o mundo caminhava inexoravelmente do individualismo ao socialismo", independentemente de "tudo o que façam seus adversários"47 .

Cartões de filiação ao Partido Socialista Unitario

Apoio ao Fascismo

 

Em maio de 1921, voltou ao Parlamento reeleito pelo seu distrito eleitoral de Mântua. Neste mesmo ano, em um discurso na Câmara de Deputados, esboçou uma interpretação inicial do fascismo como um fenômeno de defesa da classe dominante contra a rebelião das massas trabalhadoras. Em 1922 filiou-se ao Partido Socialista Unitário. Em fevereiro de 1923, tentou convencer os deputados a assumir uma posição de colaboração aberta com Benito Mussolini. Depois manifestou o seu consentimento ao fascismo, sem formalmente aderir à sua ideologia3 .

 

No final de sua vida, Ferri tornou-se um dos maiores apoiadores de Benito Mussolini e passou a considerar o fascismo como uma expressão dos ideais socialistas. Escreveu uma obra elogiosa de Benito Mussolini e do governo fascista na qual disse que o fascismo era "a afirmação do Estado contra o individualismo liberal"48 .

 

Utilizando os modelos conceituais da ciência positiva, Ferri considerou o fascismo como expressão de um grande projeto de renovação política e desenvolvimento econômico, até mesmo como uma forma subsidiária do socialismo. O fascismo, segundo Ferri, era "principalmente a afirmação da supremacia do Estado diante do individualismo liberal e até mesmo libertário" e representava "uma solução completa e sistemática" do conflito de classes48 . Ferri mostrou essencialmente "uma espécie de aceitação acrítica do fascismo que amadurecia a partir da verificação da incapacidade evidente dos partidos políticos tradicionais gerenciarem o estado de forma disciplinada e produtiva"35 .

 

Em março de 1927, Ferri deu uma palestra sobre Mussolini em que disse ter tido "a satisfação de examinar antropologicamente" o líder, percebendo nele os detalhes fisiológicos indicados por Lombroso como manifestação do pensamento, da ação política, de um "novo homem", de um líder carismático que guiaria as aspirações do povo49 . Ferri, apesar de não se declarar fascista, acreditava que Mussolini teria a capacidade de implementar as reformas positivistas e combater o conflito de classes intenso naqueles anos com ocupações de fábricas e mortes de líderes sindicais50 .

Obras Principais

 

La Teorica dell'Imputabilità e la Negazione del Libero Arbitrio,,, Firenze, 1878.

Dei Sostitutivi Penali, in Archivio di psichiatria, antropologia criminale e scienze penali per servire allo studio dell’uomo alienato e delinquente, 1880, 2, pp. 67 e seg., pp. 214 e seg.

I Nuovi Orizzonti del Diritto e della Procedura Penale, Bologna, 1881.

Studi sulla Criminalità in Francia dal 1826 al 1878, Roma, 1881, rist. in Studi Sulla criminalità e Altri Saggi, Torino, 1901, pp. 17-59.

Le Ragioni Storiche delLa Scuola Positiva di Diritto Criminale, in Rivista di Filosofia Scientifica, 1882-83, 3, pp. 321-37.

La Scuola Positiva di Diritto Criminale. Palestra do Curso de Direito e Procedimento Penal da Universidade de Siena, pronunciada em 18 novembro de 1882, publicada em Siena, 1883.

Socialismo e Criminalità, Torino, 1883.

I Contadini Mantovani al Processo di Venezia, imputati di Eccitamento alla Guerra Civile, Venezia, 1886, rist. in Difese Penali e Studi di Giurisprudenza, Torino, 1899, pp. 1-62.

Discorso al Teatro Andreani, Mantova, 16 maggio 1886, Supplemento da edição nº 14 do jornal La Nuova Mantova, órgão do Partido Democratico-Radicale, 20 de maio de 1886.

Le Società Cooperative di Lavoratori e le Opere Pubbliche: interpellanza dell’on. Enrico Ferri colle risposte degli onorevoli ministri Magliani e Saracco, tornata del 3 dicembre 1887, publicada em Roma, 1887.

Delitti e Delinquenti nella Scienza e nella Vita. Conferência feita na Universidade de Bolonha, 22 e 23 março de 1889, publicada em Milano, 1889.

La Psicologia nel Processo degli Studenti Bolognesi, in "La scuola positiva nella giurisprudenza civile e penale e nella vita sociale"

Sociologia Criminale, Torino, 1892. Terceira edição totalmente refeita do título original Nuovi Orizzonti del Diritto e della Procedura Penale, 1884.

Ai Lettori, in "La Scuola Positiva nella Giurisprudenza Penale", 1893, pp. 1-2.

Socialismo e Scienza Positiva, 1894.

Difesa sociale e difesa di classe nella giustizia penale, in "La scuola positiva nella giurisprudenza penale", 1899.

Difese Penali e Studi di Giurisprudenza, Torino, 1899. Edições sucessivas com o título Difese penali. Studi di giurisprudenza penale. Arringhe civili., 2 volumes.

Studi sulla Criminalità e altri Saggi: con tre tavole grafiche, Torino. 1901.

La Scuola Positiva de Criminologia. Três palestras dadas na Universidade de Nápoles, 1901.

Évolution Économique et Évolution Sociale. Conferência púbica organizada pelo Groupe des Étudiants Collectivistes de Paris, em 19 de janeiro de 1900, no l'Hôtel des Sociétés Savantes, publicada em Paris, 1901.

Giustizia Penale e Giustizia Sociale>. Palestra do curso de Direito e Procedimento Penal dada na aula magna da Universidade Roma em 12 de janeiro de 1911, publicada em Milano, 1911.

In Difesa di Tullio Murri (1905), in Difese penali. Studi di Giurisprudenza Penale. Arringhe civili, Torino, 1923, 1° vol., pp. 491-561.

Documenti di Criminologia: la personalità di Violetta Gibson, in La scuola positiva nella giurisprudenza penale, 1927, pp. 127-34.

Principii di Diritto Criminale. Delinquenti e delitto nella scienza, legislazione, giurisprudenza: in ordine al codice penale vigente, progetto 1921, progetto 1927, publicado em Torino, 1928.

 

Sociologia Criminal

Sociologia Criminale.jpg

 

Reconhecida como um dos clássicos da criminologia, a primeira edição desta obra foi publicada em Bolonha, 1881, sob o título I Nuovi Orizzonti del Diritto e della Procedura Penale, seguida de uma segunda edição em 1884. Em 1892 foi refeita e publicada em sua terceira edição em Turim sob o título Sociologia Criminale. Esta obra ainda passou por várias revisões em 1900 e em 1929, ano da morte de Ferri, quando foi publicada com anotações de Arturo Santoro. O caminho do pensamento jurídico de Ferri pode ser reconstruído pelas sucessivas revisões que fez nesta obra3 .

 

Em Sociologia Criminal, Ferri critica a forma tradicional da época em tratar o criminoso apenas nas esferas do crime e da punição. Adepto da Escola Positiva do Direito Penal, surgida a partir da segunda metade do século XIX, Ferri defende veementemente que o método adequado para se chegar a uma solução satisfatória do problema criminal é investigando as causas que estão produzindo crimes em uma dada população, bem como interpor recursos contra o crime baseando-se nos resultados obtidos por tal pesquisa que levaria em conta dados da antropologia, psicologia, estatística e sociologia9 .

 

A introdução do livro discorre sobre "A Escola Positiva do Direito Penal", apresentando esta nova escola cuja tarefa será observar os indivíduos envolvidos em atividades criminosas e a sociedade na qual está inserido, base do estudo da sociologia criminal. O autor critica a atuação limitada da doutrina de crimes e punições da Escola Clássica, afirmando que esta teria completado seu ciclo histórico, mas fazendo a ressalva de que esta teve a sua importância prática ao diminuir os castigos e abolir as crueldades arbitrárias dos tempos medievais9 .

 

O primeiro capítulo, sobre os Dados da Antropologia Criminal, é uma investigação sobre as condições individuais que tendem a produzir hábitos criminais na mente e na ação do indivíduo. Apesar de ser discípulo e amigo de Lombroso, o autor aponta falhas originais nos estudos de seu mestre por ter dado importância indevida às características exteriores do indivíduo e não às psicológicas. Neste capítulo, o autor apresenta a relação entre a sociologia criminal e a antropologia, afirmando que é necessário realizar os estudos biológicos do criminoso, tanto anatômicos quanto fisiológicos, uma vez que temos que estudar o órgão antes de sua função, e o físico antes do moral, rebatendo várias críticas de estudiosos. Ferri dá importância fundamental ao estudo psicológico do criminoso considerando que este aspecto irá possibilitar conhecer as características que levam ao desenvolvimento do crime a ser cometido pelo indivíduo9 .

 

O segundo capítulo, sobre os Dados de Estatísticas Criminais, é uma análise das condições sociais adversas que tendem a conduzir certas camadas da população para o crime. Ferri sugere que o nível de criminalidade obedece a uma lei que chamou de “Lei da Saturação Criminal”, que seria determinada pelo ambiente social e condições físicas ambientais do local. O autor afirma que o volume de crime não será materialmente diminuído por códigos de direito penal, no entanto eles podem ser diminuídos habilmente através da melhoria das condições individuais e sociais negativas da comunidade como um todo. O crime, segundo Ferri, é um produto dessas condições adversas, e a única forma eficaz de lidar com ele é acabar, tanto quanto possível, com as causas que o produz. Por outro lado, conclui que embora os códigos penais possam fazer relativamente pouco para a redução do crime, eles são absolutamente essenciais para a proteção da sociedade9 .

 

Finalmente, o último capítulo, sobre as Reformas Práticas, pretende mostrar como a lei e a administração da prisão criminal podem ser mais eficazes para fins de defesa social. Ferri propõe entre outras ações, a indenização das vítimas de crime, a readaptação do indivíduo através da identificação de seu tipo criminoso, a redução da participação do júri popular, a não fixação do período da pena e a reformulação dos manicômios criminais9 .

Estudos Sobre a Criminalidade na França

Ferri. Studi dalla Criminalitá in Francia dal 1826 al 1878.png

 

Publicado em 1881 sob o título de Studi sulla Criminalità in Francia dal 1826 al 1878, esta obra foi resultado dos estudos realizados durante seu período na Universidade de Paris-Sorbonne. Em Sociologia Criminal , Ferri faz menção a essa obra, dizendo organizar ao longo dela os três gêneros de toda série de causas que levam ao crime (fatores antropológicos, sociais e físicos), que anteriormente tinham sido indicadas de forma fragmentada e incompleta. Tal análise ainda será abordada de forma completa em Escola Positiva de Criminologia. Se, depois de Quetelet e Guerry, o estudo da estatística criminal não tinha evoluído de forma animadora, com Ferri, as análises são retomadas. Sua obra consiste basicamente na busca de explicações para as oscilações e mudanças nos dados recolhidos na França referentes a diferentes espécies de crimes, organizados em tabelas cronológicas21 .

 

A sociedade, reconhece o autor, é formada por vários fatores antropológicos, nem todos, no entanto, são objetos de estudo da antropologia criminal. Enquanto os fatores antropológicos, que representam o elemento pessoal no fenômeno criminal podem ser facilmente isolados e corrigidos em estatísticas, fatores físicos e sociais, originados do ambiente natural e social, nem sempre podem ser discernidos um por um em seu concurso para a criminalidade de um povo21 .

 

Até então, todas as pesquisas feitas sobre a criminalidade se preocupavam quase que exclusivamente com os fatores antropológicos da infração e no máximo com alguns fatores físicos, especialmente o clima e as estações do ano. Os fatores sociais, exceto população e a produção agrícola, eram completamente ignorados. Seu estudo se mostra útil, portanto, por ser um estudo sistemático voltado a fatores sociais do crime e da delinquência21 .

 

Ele acredita que quando o legislador tem conhecimento suficiente acerca dos fatores sociais do crime, é fácil não apenas corrigir certas ideias exageradas ou falsas sobre a importância de certas medidas contra o crime, como até suprimir as causas da doença, promovendo uma ordem social diferente e implementando uma defesa realmente eficaz contra a atividade criminosa do homem21 .

 

Com esse entendimento, e convencido de que o direito penal, como qualquer outra ciência social, deverá começar a partir da observação dos fatos, Ferri realiza o estudo das estatísticas judiciais francesas para ampliá-la e homogeneizá-la, tanto para a estabilidade do direito penal, quanto para a precisão da investigação21 .

 

Ele estreita sua pesquisa sobre a frequência de cada crime, ano após ano, por mais de meio século, a fim de perceber a manifestação dos fatores sociais mais marcantes na população e seu reflexo na criminalidade. A partir da estatística, cria uma distinção entre criminalidade real, aparente e legal. A primeira diz respeito a todos os crimes de fato cometidos, incluindo aqueles que não foram descobertos ou de fácil ocultação. A segunda, aos delitos denunciados, mas não levados a julgamento. E a terceira, por sua vez, diz respeito aos delitos de fato levados a julgamento em que, por causa da certeza dos fatos, só se presta a análise científica21 .

 

Suas análises partem de dados referentes a 1831 indo até 1878. A quantidade de delitos denunciados e julgados mais do que dobrou nesse intervalo. Ele busca então justificativas para o fenômeno, apontando, por exemplo, as modificações legislativas ocorridas no período (houve reforma no Código Penal, o que acabou por atenuar algumas penas), o aumento da população, a variação no número de oficiais da polícia, crises financeiras, industriais e agrícolas, etc21 .

 

Ele acaba por focar em fenômenos sociais por não acreditar que esse aumento possa estar relacionado a fatores antropológicos e físicos por não serem concebíveis tantas mudanças apenas na natureza humana. Por exemplo, a variação da temperatura de fato pode influenciar, mas não de forma constante e crescente como assinalam suas tabelas. O que Ferri aponta é que os números absolutos do crime estão longe de serem estáveis, sendo eles proporcionais a fatores antropológicos e concorrentes como a idade, o sexo, o estado civil, etc21 .

 

Fatores históricos (inseridos nos sociais) também se mostram determinantes já que de 1841 a 1878 sobe a criminalidade devido à instabilidade política e consequente aumento de rebeliões e violência, ou até pela maior circulação e consumo de bebidas alcoólicas21 .

 

Dessa forma, Ferri desenvolve um estudo complexo e dedicado sobre os dados recolhidos permeando cada fenômeno ocorrido na sociedade francesa, buscando as mais plausíveis explicações para o aumento da criminalidade registrado, muito em assonância ao espírito científico da escola de pensamento em que se insere21 .

A Escola Positiva de Criminologia

 

Publicada como o título La Scuola Positiva de Criminologia, trata-se de três palestras dadas por Ferri na Universidade de Nápoles, em 1901, a convite de estudantes italianos. Ele a divide em três partes: a primeira faz uma revisão histórica das bases da Escola Positiva, entre elas, a Escola Clássica; a segunda diz respeito a como a Escola Positiva trata o problema da criminalidade; e a terceira evolui no sentido de indicar os remédios desta escola para resolver o problema da criminalidade51 .

 

Com presente tom cientificista, Ferri desenvolve ao longo da palestra um paralelo entre criminalidade e doenças: enquanto a febre tifoide e a malária, ao terem suas causas e transmissão estudadas, recuaram diante dos remédios desenvolvidos pela medicina, a loucura, o suicídio e o crime crescem em ritmo acelerado, o que prova que além de estudar os fenômenos, a ciência deve encontrar diagnósticos mais precisos dessas doenças morais que afligem sociedade a fim de encontrar remédios mais efetivos contra elas51 .

 

Os próprios expoentes da Escola Clássica perceberam, em 1879, que a justiça criminal teria que se rejuvenescer e atualizar utilizando-se das ciências naturais, substituindo a abstração por uma análise de fatos concretos (Enrico Pessina). Giovanni Bovio, com a obra "Um Estudo Erítico da Criminologia" preparou o terreno para novas ideias apontando todas as falhas e fraquezas da estrutura clássica. Basicamente, o sistema punia sem curar, quando o ideal seria curar sem qualquer forma de punição51 .

 

A Escola Positivista de Criminologia surgiu na Itália através da atração dos italianos pelo estudo da criminologia. Seu nascimento também se deve a uma condição particular do país: a crescente criminalidade. Ela se inaugura com Cesare Lombroso em 1872, que começou uma nova forma de estudar a criminalidade – a partir, primeiramente, do criminoso, e não do crime51 .

 

Uma das principais características da Escola Positivista é a sua negação do livre-arbítrio. Ao longo de toda a obra, Ferri desconstrói o que se mostra peça fundamental da Escola Clássica e do próprio sistema jurídico da época em que vive (apesar da evolução no ramo científico, ele ressalta, a legislação não se atualizou no mesmo ritmo). Ele acredita que o cometimento de um crime se deve a uma combinação de três fatores que em determinado momento podem agir sobre a personalidade da pessoa: antropológico, telúrico (ambiental) e social51 .

 

A escola positiva de criminologia conseguiu a mesma evolução no que dizia respeito ao tratamento dos loucos (não mais responsáveis ou agredidos pela sua loucura) aos prisioneiros. O pensamento clássico dizia que o crime envolvia uma culpa moral por ser resultado do livre arbítrio do homem, que abandonava o caminho da virtude e escolhia o crime. A escola positivista por sua vez, defende que nada depende da vontade do criminoso; ser um delinquente envolve questões pessoais, físicas e morais, bem como viver em ambiente propício. Tudo isso se torna uma cadeia de causas e efeitos, externos e internos, que o torna mais propenso ao crime. Essa é a conclusão a que chega a escola positivista51 .

 

A ilusão do livre arbítrio tem suas bases na consciência interior. Se um homem sabe a principal causa de um fenômeno, ele diz que é inevitável. Se não as sabe, chama de acidente. É evidente que a simples ideia de acidente não é científica: todo fenômeno possui uma causa. O mesmo é verdade para os fenômenos humanos, mas como não se sabe as causas internas e externas na maioria dos casos, finge-se que eles não são necessariamente determinados pelas suas causas. Deve-se analisar quais as causas que determinaram a escolha dessa pessoa51 .

 

O estudo dos criminosos e as consequências lógicas decorrentes dele podem mudar completamente a justiça humana, não apenas como teoria baseada em livros científicos, mas também como prática aplicada todos os dias àquela porção da humanidade que caiu no crime. Ferri é otimista sobre o trabalho em torno da verdade científica que poderia transformar o sistema penal em simples instrumento de preservação da sociedade contra a doença do crime, despindo-a de quaisquer ideias de vingança, ódio e punição, que sobreviverão como lembranças de uma época primitiva. É contra, justamente, essa ideia de punição: não pode ser considerado justo o ato humano de trancafiar outro homem em uma cela apertada, evitando que ele tenha qualquer tipo de contato com outras pessoas e dizer, ao final da pena, "agora que seus pulmões não estão mais acostumados a respirar ar aberto, agora que suas pernas não estão mais acostumadas a serem usadas, vá, mas tome cuidado e não repita o que você fez, ou sua sentença será duas vezes pior"51 .

 

Quando um crime é cometido, estudiosos do direito se ocupam de perguntas como "qual o tipo penal cometido e sob quais circunstâncias?", esquecendo-se de um primeiro problema, que afeta a maior parte da população: quais as causas do crime? Essas duas visões retratam duas escolas criminalísticas: aquela, a escola clássica, ocupada com a análise jurídica e as circunstâncias sob a qual o agente se encontrava – menor, louco, bêbado, etc. A escola positiva, por sua vez, tenta resolver o caso desde sua origem, das razões e condições que induziram o homem a cometer tal crime51 .

 

Os clássicos não se ocupavam de estudar as causas da criminalidade, eles a têm como um fato consumado e seu remédio contra ela, a punição. Eles analisam do ponto de vista jurídico, sem perguntar como esse fato criminológico pode ter sido produzido e por que ele se repete. A teoria do livre arbítrio exclui a possibilidade dessa questão científica, se um criminoso comete um crime, comete porque quis, o que apenas depende da sua determinação voluntária51 .

 

Não há no mundo outro remédio contra o crime que não a repressão. Jeremy Bentham fala que toda vez que a punição é infligida, ela prova sua ineficácia, ela não previne do cometimento de crimes. Se um homem não comete um crime isso é devido a razões diferentes do que simples medo da pena. Quem comete um crime movido por forte sentimento passional não refletiu antes de fazê-lo (não pensando também se seria preso ou nas consequências); quem, por outro lado, planeja o crime cuidadosamente, fá-lo acreditando na impunidade51 .

 

Ferri não apenas explica a Escola Positiva Penal em que se insere, como tece críticas importantes ao sistema criminal da época, como por exemplo, a aplicação de uma mesma espécie de pena – a prisão - para crimes totalmente diferentes, cabendo ao juiz apenas decidir a duração do encarceramento. O paralelo que trava entre a criminologia e a medicina é tão forte que, inclusive, compara essa realidade ao caso do médico tratar diferentes doenças com um mesmo tratamento, sem que lhe ocorram as particularidades do paciente51 .

 

Concluindo, acredita que a Escola Clássica não conseguiu enxergar longe o suficiente para propor remédios eficazes para a criminalidade. A missão histórica daquela escola consistiu na redução da punição, sendo um protesto contra as penas bárbaras da Idade Média. Os posit

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Taken on September 19, 2014