Sou corretor de imóveis, 70 anos, pai de 5 filhos e avô de 7 netos. Fanático por viagens (se for de moto, melhor ainda...). Tenho verdadeira paixão por estradas e uma atração especial por cenários insólitos. A preferência por viagens de moto está ligada à liberdade de locomoção por variados tipos de caminhos, à integração na paisagem e ao cotidiano de diferentes povoações. Além disso o prazer de pilotar está ainda na percepção de tudo que está à sua volta, no sentir constante do vento e aquela sensação de que você faz parte dele...Meu hobby principal é a fotografia, amador é claro.

 

Crônica

 

O “NONO” OLIVIO

Tenho motivos de sobra para acreditar que meu avô, mesmo sem saber, exerceu uma influência determinante na minha vocação quase desenfreada por viagens. Ainda hoje, me lembro com detalhes, quando aos cinco ou seis anos, eu revirava a surrada caixa de sapatos onde ele guardava alguns documentos, postais e velhos bilhetes de viagem da Cia. Real de Aviação. Ali mesmo, observando atentamente a figura imponente do quadrimotor na capa do bilhete, me transportava em sonho, aos mais longínquos países do globo.

Ao contrário do que possam imaginar meu avô não era um homem rico, mas um simples operário que cumpria religiosamente sua jornada de trabalho na principal indústria têxtil da cidade e, diga-se de passagem, numa das piores seções daquela fábrica, a estamparia, onde num ambiente de altas temperaturas e fortes odores de tintas e outros produtos químicos, terminava o dia quase sempre exaurido, apesar de ser um homem até vigoroso para a sua idade.

Eu que era responsável pelo transporte diário da sua marmita, conseguia facilmente destacar aquela figura peculiar em meio à multidão, no portão da fábrica, saindo para o almoço. Vestia invariavelmente humildes trajes feitos com o forro de estampa, um tecido grosseiro usado como uma espécie de mata-borrão nos cilindros de estampar.

Era incrível, como todos os operários respeitavam o local preferido de cada um deles naquela pracinha, que fazia às vezes de refeitório; era nas escadas do pequeno coreto, numa ou outra arvorezinha, na marquise da loja da fábrica, à sombra da igrejinha, etc. Meu avô sentava-se costumeiramente, entre as colunas do pequeno monumento dedicado a Anita Garibaldi, heroína brasileira na Guerra dos Farrapos e que ali fora erguido, numa homenagem da colônia italiana local. Foi numa dessas idas até a portaria da velha fábrica de tecidos, levando seu almoço, que ouvi incrédulo, a notícia da morte do Presidente Getúlio Vargas, divulgado em edição extraordinária, com um fundo musical lúgubre, pelo serviço de alto falante local.

Adorado pelos operários, a notícia da morte de Vargas, consternou toda a cidade. Não pude deixar de notar a tristeza estampada no rosto do meu avô, um admirador incondicional do presidente, do qual mantinha há anos, um retrato em caprichosa moldura, na principal parede da pequena sala da casa; naquele dia sua comida retornou sem ser tocada...

Confesso que mesmo morando na casa ao lado, nunca pude presenciar meu avô parado de papo pro ar. Mesmo após seu retorno do serviço, ele estava sempre daninhando em alguma coisa. Seu Olívio era uma espécie de faz de tudo: pedreiro, carpinteiro, encanador, eletricista, eram apenas algumas de suas múltiplas aptidões. No entanto, em se tratando de férias, isso ele também levava a sério, tanto que pelo menos uma vez ao ano, juntava suas economias e se mandava para algum lugar, preferencialmente distante e quase sempre sozinho. Eu por outro lado, limitava-me a pedir-lhe que trouxesse tampinhas inéditas para minha coleção. Esta causava inveja na molecada da rua, eram refrigerantes e cervejas que meus colegas jamais pensavam existir. Ainda hoje fico a imaginar, meu avô abaixando-se nas ruas, à cata de tampinhas pra mim; contudo creio que hoje eu faria o mesmo por meus netos, se essa ingênua e saudosa mania pudesse retornar.

Infelizmente, meu avô se foi muito cedo, eu tinha apenas doze anos quando ele morreu. Não tive, portanto, a oportunidade de fazer com ele, minhas tão sonhadas viagens; tenho certeza que ele seria um grande companheiro de aventuras. Aliás, em alguns momentos de indecisão ou mesmo de perigo pelos quais passei , busquei sempre o seu apoio espiritual, invocando o semblante sereno do velho Olívio, assim como sempre procurei dividir com ele, os melhores momentos das minhas viagens.

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  • JoinedSeptember 2008
  • OccupationCorretor de imóveis
  • HometownVotorantim
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