Sou advogado em São Paulo e adoro street art.

Desde 83, moro a uma quadra da esquina da Av. Paulista com R. da Consolação. Na época o graffiti começava em São Paulo e eu, um curso de Economia na PUCSP. Para ira à PUCSP, pegava o ônibus na Av. Paulista Todo dia havia congestionamento na ligação da Paulista com a Dr. Arnaldo e o ônibus ficava preso nessa ligação que sempre teve as paredes ocupadas pelos melhores artistas de street art e eu via e começava a gostar dessa arte espontânea.

Quando o Jânio (prefeito 86/88) declarou “guerra” ao graffiti, a situação melhorou. A Prefeitura pintava aquele local pelo menos uma vez por mês e os escritores, em menos de uma semana, pintavam todo o espaço de novo. Essa “guerra” era coisa para mídia e ajudou muito o graffiti, que passou a aparecer nos órgãos de comunicação.

A “guerra” estava mais para desenho de Tom e Jerry em que a comédia comandava o espetáculo e o Jerry sempre sobrevivia para o próximo desenho. De forma involuntária para a street art, foi a realização do lema de Ademar de Barros “falem mal, mas falem de mim”.

Essa perseguição infantil desviou a atenção da população e meios de comunicação da degradação do centro da cidade, região com toda a infra-estrutura urbana abandonada pela prefeitura, na mesma época - parte virou a “cracolândia”, sem que nenhuma reação fosse esboçada e nada saísse na imprensa durante a administração Jânio.

Depois que ele saiu, a Erundina tentou incorporar – institucionalizar -domesticar o graffiti, para ser mais um elemento na paisagem urbana e, pelo menos na região da Av. Paulista, o graffiti decaiu muito. Durante muitos anos, novidade só pixação.

No princípio do meu interesse, achava horríveis as letras vandalizando prédios. Ignorância minha, pois a caligrafia em todas as civilizações representa poder, beleza, conhecimento, sendo a arte maior.

Depois que se aprende a ver as letras de pixação como obra artística, é certo dizer que a caligrafia dos pixadores é uma arte por si só. O espetacular “rendado”, na peça de VITCHE e JANA, é grande defesa disso. A série de fotos que o DINHO fez, e da qual tenho uma, é outro.

O graffiti começou com letras na década de 50, na Filadélfia, USA e o primeiro texto sério faz uma defesa apaixonada do graffiti como arte, quando essa arte era feita por meninos de gueto de NY,NY e focava exclusivamente a caligrafia de “nomes” (NORMAN MAILER no livro THE FAITH OF GRAFFITI, década de 70).

O título do livro, THE FAITH OF GRAFFITI é a definição dada por um dos grafiteiros numa entrevista para NORMAN MAILER sobre o que significavam os “nomes” para a street art da época. E são as letras e “nomes” que ainda hoje fazem a diferença no graffiti, só ver o que OSGÊMEOS fazem com as letras.

Para a região da Av. Paulista, o graffiti voltou com força uns 10 anos atrás. Na quadra em que moro, uma porta de estacionamento, durante anos, teve um painel com PATO, JEY, BOLETA e CRESPO. Meio escondido atrás de uma banca de jornal, ainda existe um antigo TITI em muito bom estado. Numa porta que este ano apagaram, um painel que na última versão tinha VERMELHO, CRESPO e ORNITOL. Atrás dessa porta, no terreno vazio, um lindo ONESTO, agora já meio descascado, que se vê da janela do meu apartamento.

Até 2006, achava que street art não funcionava na parede de casa, em tela e outros suportes. Quando a CHOQUE abriu como editora de gravuras e postou as primeiras serigrafias na net, olhei e não gostei. Tenho implicância até hoje com serigrafia, em que normalmente o artista desenvolve o desenho e entrega para outra pessoa a feitura da gravura. Então, na verdade, temos o trabalho a 4 mãos e, talvez, com palpites de outros no desenvolvimento.

Ainda acho que dilui, mas reconheço que na street art isso é considerado uma forma importante de expressão, daí que agora tenho um número significativo de serigrafias.

Quanto ao começo da coleção, foi casual e nunca pensei em ter mais do que umas poucas peças em casa. A CHOQUE tinha um site só com serigrafias que visitava regularmente pra ver se incluíam algo diferente. Um dia incluíram link para o fotolog deles. Pesquisei e me encantei pela exposição que tinha acabado de terminar do KBOCO. Logo que pude fui à CHOQUE e comecei a coleção.

Uns dois meses depois, comecei a procurar os artistas para ver o que eles tinham para mostrar e a maioria não tinha nada. Encomendei muita coisa na confiança de que os artistas iriam fazer algo bom. Alguns deles enfrentaram a tela e fizeram a primeira venda para mim.

Muitas vezes um artista indicava outro. O CIRO indicou o BUGRE, HIGHRAFF o BRUNO do FBC e o GABRIEL GBL, por ex. Procurei também muito na web o contato de artistas fora de SAMPA que gostava. Com isso, minha coleção cresceu bastante, ultrapassando em muito o que havia imaginado no começo.

De fora de SAMPA comecei com o ONIO de Brasília na sua galeria SUB02 que já fechou. Hoje tenho peças de RS, PR, MG, RJ, BA, DF, GO. Algumas vezes peço um tema. Para o BOLETA, torcedor de ir ao estádio como eu; pedi especificamente SANTOS FUTEBOL CLUBE.

Também do BOLETA, comprei os desenhos que ainda tinha do zine que levou para vender na Alemanha em 2008. Além de serem lindos e variados, os desenhos são a documentação de uma forma importante da street art. Por seu preço acessível, o zine muitas vezes é a arte que uma pessoa pode comprar e ter pra si. Ainda vou mandar fazer um portfólio para guardar os desenhos e preservar sua unidade.

Tenho a série completa dos indigentes feita pelo MELLO. Pensados como stickers para a rua, as imagens fizeram muito bem a transição para stencil sobre papel, enquadráveis, dependuráveis, perfeitos para figurar numa parede.

Já as camisetas do PJOTA, das quais postei uma seleção, podem ser classificadas como camisetas customizadas, a.k.a. “wearable art”, a.k.a. serigrafias sobre tecido não assinadas, prova única. Depende do grau de empinação do nariz que se use. Enfim, são lindas, e já usei na SALA SÃO PAULO para assistir concertos de música clássica e me senti muito bem vestido.

De fora do BRASIL, comprei gravuras e outros trabalhos sobre papel. Telas e outros suportes ficam muito difíceis de enviar e a postagem é muito cara. Tem de ter PAYPAL para o pagamento e as obras sempre chegaram direitinho.

Quando mandei a primeira versão da minha parede com muito menos peças para o EDUARDO da CHOQUE no final de 2006, ele elogiou e ficou surpreso que tivesse um GUETO na parede. Ele disse “isso é coração”. Acho que é o maior elogio que minha coleção pode receber.

Quanto a arte na rua, vejo o que está por perto da minha casa e por onde ando. O único graffiti que saí de casa especificamente para ver é do TITI e RAMON, um peixe que pintaram na Liberdade. Espero que continue iluminando a rua.

Também visitei um pico na BARRA FUNDA, em que ZEZÃO, HIGHRAFF, CIRO SCHU pintaram anos atrás e que, recentemente, foi usado para uma maravilhosa instalação do BUGRE, produção caprichada do GEN, trabalhos do BINHO, TINHO, JHOÄO e vários outros artistas.

É uma pena o CINZA KASSAB no MINHOCÃO que apagou clássicos publicados em revistas e livros. Uma linda seleção da obra do BUGRE perdeu-se. A arte de rua tem disso. A fotografia, seja a publicada na net, em revistas e outras mídias, preserva as imagens da street art e dão possibilidade de acesso a uma audiência maior que a dos passantes e por um período maior do que o da exposição na rua. Dá para acompanhar a carreira de um artista a 1000 km de distância, como faço com o ONIO de Brasília.

Pela net conheci a arte do RIM, OCYO, IZOLAG e tantos outros. E lembro bem, quando acompanhei pelo fotolog, o ZEZÃO em Minas Gerais pintando com o RAMON MARTINS que era completo desconhecido para mim na época. Foi fácil achar o fotolog e o flickr do RAMON e virar fã.

E quanto a questão do graffiti como arte menor, é coisa de nariz empinado que não admite que pessoas, na sua maioria sem educação formal em arte e vindos da periferia, usando latas de spray e tinta látex (matérias não utilizados pela “grande arte”, “artes plásticas”, etc.) criem algo tão diferente, vibrante e que chega ao expectador sem explicação ou mediação de curadores, quando a pessoa olha as paredes de sua cidade.

Para piorar, acho que a palavra GRÁTIS, inerente a street art, com a mercantilização do setor artístico dos dias atuais, deve dar calafrios aos entendidos que ganham para definir o que é arte, armar exposições, escrever textos, etc. Então, deprecia-se o que não pode ser vendido.

Os narizes empinados classificam a street art como “naif”, arte menor, pop de segunda linha, derivativa, etc. e ainda colocando em destaque a questão social da origem de boa parte dos artistas, tipo “vamos ajudar os necessitados dando um apoio”, o que desmerece o trabalho deles.

A exposição do PAÇO DAS ARTES em 2008 mostra bem esse tipo de “apoio”. Apesar de ter obras lindas, vi o desmazelo na sua organização pela pouca representatividade dessas obras para a maioria dos artistas e a horrorosa montagem a mostrar que os responsáveis não entendiam nada do assunto, nem se preocuparam em aprender.

Como explicar QUATRO SERIGRAFIAS perdidas numa parede ENORME como sendo algo significativo para o TINHO, por ex.? E quando perguntei isso para alguém que sabia a resposta, assim como outras que fiz para pessoas que sabiam a resposta a outras perguntas sobre infelizes escolhas feitas, a resposta invariavelmente foi que a curadoria assim decidiu.

Já expo “TERRITÓRIO OCUPADO” no MUSEU AFRO BRASILEIRO, muito bem organizada em 2006, exibiu várias vertentes dessa arte que de naif não tem nada. E a propósito dessa expo, a entrada com as peças do CIRO é de grande elaboração formal, que demonstra estudo e bagagem cultural do artista e entendimento da organização quanto às necessidades das suas obras, quanto a ocupação do espaço, o que acabou valorizando seus trabalhos expostos.

TODOS os artistas de street art têm caderno de esboços e os bons trabalham muito nesses cadernos antes de pintar o que esboçaram na rua. Veja-se ainda a tendência à abstração de um XEREL, que do seu sticker do VIGIA, atualmente só sobraram os olhos representados por duas linhas.

A street art está bem documentada, daí fácil de ver a evolução de estilo e técnica dos artistas. É só pegar o jeito do jargão que textos complexos sobre a obra e influências dos artistas de street art logo “explicarão” aos “leigos” sua poética. Devidamente catalogando, encapsulando, cristalizando, criando padrão para uma arte cuja principal característica é a LIBERDADE.

Quanto ao conteúdo da minha coleção, meu gosto pessoal e disponibilidade de grana dominam. Se sentirem falta de alguém, podem ter certeza de que minha coleção não está completa, como nenhuma está.

Traço mais realista só aparece em stencil ou nas gravuras, com exceção de um trabalho do RAMON. Gosto muito do graffiti ser uma arte que tem boa parte de suas obras sem ou com utilização pequena da perspectiva. Dá mais espaço para a imaginação.

Organizei o flickr em ordem alfabética por artista, sem nenhuma nota sobre as obras. Nunca postei nada no flickr e apesar de dizerem que é fácil, achei melhor não complicar. No final, tem a minha parede principal.

Postei minha coleção porque é uma forma de divulgar o que os artistas da street art têm pra oferecer a quem quer um trabalho deles em casa que não seja diretamente na parede. Comprando novas peças, continuarei a postagem.

São Paulo, janeiro de 2009.

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Seu perfil é de abrir os olhos. Acho que é a primeira vez que primeiro me interessei em ler o perfil do ver as fotos. É sempre bom ler e ver os sonhos, idealizações..ver que muitas coisas cruzam com pensamentos de outros e que ainda tem muito o que conquistar! ;D

February 11, 2009